Democratas acusados de conspiração

Mais de dez engenhos explosivos foram enviados a proeminentes democratas e críticos de Donald Trump a 11 dias das intercalares. FBI deteve Cesar Sayoc, de 56 anos e republicano.

Pouco mais de 72 horas depois de o FBI ter avançado com as investigações às encomendas armadilhadas enviadas a proeminentes figuras democratas, ao milionário liberal George Soros, ao ator Robert De Niro e à delegação da CNN em Nova Iorque, um suspeito foi detido em Miami. Chama-se Cesar Sayoc, tem 56 anos, vive em Aventura, Florida, e tem registo criminal por ameaças de bomba. Inscrito como republicano, votou pela primeira vez na Florida em março de 2016. 

Informado pelo FBI sobre a detenção, o presidente Donald Trump dirigiu-se ao povo norte-americano para mais uma vez apelar à «união». «Devemos mostrar ao mundo que estamos unidos na paz, no amor e na harmonia como concidadãos», disse o Presidente. Depois, voltou a condenar as tentativas de ataque como «deploráveis» e afirmou estar «empenhado em fazer tudo ao seu alcance para travar» a violência no país. 

As palavras surgem depois de Trump ter sido acusado de ter responsabilidade nos ataques por causa dos discursos de «ódio» e «incitamento à violência». Mas há quem tenha alinhado desde o primeiro momento na narrativa de que tudo não passou de uma conspiração dos próprios democratas para obterem dividendos políticos nas eleições intercalares de 6 de novembro. 

Conspiração democrata 
A teoria começou por ser  ensaiada nas horas imediatas aos serviços secretos terem anunciado a interceção de pacotes suspeitos dirigidos às casas e gabinetes do antigo presidente Barack Obama, da candidata democrata à presidência Hillary Clinton, da congressista Debbie Wasserman Schultz, do antigo procurador-geral Eric Holder e do ex-diretor da CIA, John Brennan – para este último foi enviado para a CNN, o que obrigou à evacuação do edifício em Nova Iorque. Na quinta-feira, Robert De Niro e Joe Biden também os receberam e, ontem, pacotes suspeitos remetidos para o senador democrata Cory Booker e para o antigo diretor da Agência Nacional de Inteligência, James Clapper, foram intercetados pelas autoridades.

A única coisa que todos os alvos têm em comum é terem criticado e sido alvo de críticas do chefe de Estado. «Isto não vai forçar os críticos da administração ao silêncio», reagiu Clapper.

O FBI deteve ontem um homem de 50 anos suspeito de enviar as encomendas, depois de a investigação ter levado até um posto de correios em Opa-locka, na Florida. As suas motivações não foram reveladas.

O envio de engenhos explosivos ou pacotes com antraz – ou ambos – não é novidade nos EUA. Aconteceu no país pouco depois do 11 de setembro de 2001 e causou cinco mortos, espalhando o pânico depois do primeiro ataque em solo dos EUA desde a II Guerra Mundial. A partir daí as autoridades implementaram uma série de protocolos para garantir que encomendas suspeitas não cheguem às mãos de antigos ou atuais governantes. Soros, CNN e De Niro foram os alvos mais vulneráveis por estarem fora das medidas de segurança. 

O primeiro a avançar com a tese da conspiração democrata foi o conhecido comentador conservador Rush Limbaugh. «Os republicanos simplesmente não fazem uma coisa destas», disse. «Está a acontecer em outubro. Há uma razão para isto», disse, referindo-se à campanha para as eleições intercalares. Além disso, como prova da sua teoria, está o facto de nenhuma bomba ter detonado, apontando para um «operacional democrata». A ideia seria criar um clima vantajoso para os candidatos democratas, por dar a ideia de estarem a ser perseguidos. Opinião partilhada por outra comentadora, Candace Owens, da Fox News, que sublinhou o «0% de hipótese» de os responsáveis serem conservadores. «Caravanas, falsas ameaças de bomba – estes esquerdistas estão a usar de tudo nestas intercalares», escreveu no Twitter.  Todavia, uma fonte conhecedora da investigação do FBI revelou ao Washington Post que as bombas-tubo usadas «são sofisticadas, não são amadoras» e que poderiam detonar. 

Nas redes sociais, estas opiniões foram partilhadas milhares de vezes, à semelhança do que acontece com as fake news. Uma das razões, explica o Washington Post, para esta versão estar a ganhar força é a recusa do Facebook, Twitter e Instagram em aceitarem as exigências de retirada de conteúdo viral com teorias da conspiração e posições extremistas de direita. Entre os conteúdos mais virais estão alguns que o investigador em redes sociais Jonathan Albright considera terem o «pior discurso de ódio, memes de Hillary Clinton e mensagens de violência antissemita» contra Soros que já viu. 

Porém, no jogo político a verdade às vezes pouco importa, principalmente tão perto das eleições e com a sociedade polarizada como nunca em décadas. «Se algo funciona – não importa se é repugnante ou falso – é usado. O fim sempre justifica os meios e o fim é sempre e apenas o vencer», escreveu o analista da CNN Chris Cillizza. «É o mesmo ridículo que levou alguns a rotularem os assassinatos de crianças de seis e sete anos de idade na escola primária Sandy Hook [em 2012] como uma operação de falsa bandeira destinada a criar um ambiente nacional mais propício à aprovação de novas restrições aos proprietários de armas».

Discurso de ódio 
Para os democratas, no topo da cadeia deste novo discurso acirrado, difundido através das redes sociais está o Presidente. «Quando essa posição de poder vomita discurso de ódio, isso tem um efeito», criticou o governador de Nova Iorque, Andrew Cuomo, que também recebeu um pacote suspeito, mas que afinal era uma mensagem de um grupo de extrema-direita, os Proud Boys. «Isto é culpa sua», disse um antigo assessor de Hillary Clinton, Philippe Reines, apontando diretamente a Trump.

O chefe de Estado foi rápido a condenar os ataques, embora partilhando uma publicação do seu vice-presidente, Mike Pence, no Twitter. Resposta parca que espoletou receios de que o Presidente repetisse Charlottesville, depois da morte de uma ativista por um militante da extrema-direita, quando apontou culpas a ambos os lados. Mais tarde, deu uma conferência de imprensa a condenar como «hediondo» e «abominável» o envio dos engenhos e a apelar à união sem se referir a nenhum dos alvos. «Nestas alturas temos de nos unir, temos de nos aproximar e enviar uma mensagem muito clara, forte, clara e inconfundível de que atos ou ameaças de violência política de qualquer género não têm lugar nos EUA».

Um dia depois, já Trump estava a atacar a imprensa, responsabilizando-a pelos ataques. «Grande parte da raiva que hoje vemos na nossa sociedade é causada pelas notícias falsas e imprecisas dos media mainstream, que refiro como sendo fake news», acusou. 

«Foi um dos piores momentos da presidência de Trump», disse o historiador presidencial Douglas Brinkley à CNN. «Teve uma oportunidade de ouro para ser magnânimo, para tentar dizer algo que unisse o país. Ele saiu-se, na minha opinião, como um Presidente muito pequeno», acrescentou. Mas para Trump, segundo disse um dos seus assessores próximos à CNN, as críticas de quem tem sido alvo mostram «como é tratado de forma injusta e hostil» e que não há forma de o demover dessa ideia. 

Ato de terror
O primeiro engenho explosivo chegou à casa de George Soros em Bedford, Massachusetts, mas não foi encarado com gravidade, ainda que tivesse provocado um chooque. Soros é odiado tanto nos EUA como na Europa pela extrema-direita e as ameaças contra a sua vida tornaram-se comuns nos últimos anos. Mas tudo mudou quando «potenciais engenhos explosivos» dirigidos a Obama e Clinton foram intercetados pelos Serviços Secretos. Os engenhos eram «bombas-tubo», dispositivos artesanais com uma secção de tubo selada, com material explosivo, e cujos fragmentos podem ser letais. 

Horas depois, a sede da CNN em Nova Iorque foi evacuada quando se detetou mais um pacote suspeito com explosivos e pó branco, porventura, antraz. Programas em direto foram interrompidos e os jornalistas continuaram as emissões na rua. E foi aí que a situação escalou rapidamente, com antigos e atuais governantes a receberem mais pacotes. Ao final do dia já eram sete. 

«O que vimos aqui foi um esforço para aterrorizar. Isto é claramente um ato de terror, para tentar minar a nossa imprensa livre e líderes deste país através de atos violentos», reagiu o presidente da câmara de Nova Iorque, Bill de Blasio, em conferência de imprensa. «O povo de Nova Iorque não será intimidado».