Derrota

A derrota ocorre na sequência de uma governação que o Bloco combateu activamente. Terá perdido por causa disso? Não creio.

as palavras dispensam a cerimónia: o bloco de esquerda sofreu uma pesada derrota, a mais importante da sua ainda curta história. durante as próximas semanas, cronistas e líderes de opinião decretarão mil vezes a sua morte, transformando desejos em notícia. enganar-se-ão, porque as derrotas são, também, uma excelente oportunidade. para quem saiba aprender com elas.

a derrota ocorre na sequência de uma governação que o bloco combateu activamente. terá perdido por causa disso? não creio. sócrates polarizou o país em pró e contra ele próprio e perdeu porque o país já não o aguentava mais. a derrota do bloco foi, assim, concomitante com a de um governo que se demitiu sem honra nem glória, e que foi despedido com justa causa por 72 por cento dos eleitores. nesta fractura, o bloco esteve do lado certo, independentemente de se avaliar a oportunidade e o modo de execução da moção de censura. o paradoxo, se o há, mora noutro lado: ganha as eleições quem deu maioria à governação do ps e agora se prepara para administrar a agenda negociada pelos que partiram. é caso para dizer: estranha é a vontade do povo, e ínvios os caminhos que percorre…

claro que o enquadramento em que decorreu a disputa eleitoral foi extraordinariamente desfavorável à esquerda. a imposição, a três semanas do voto, de um resgate apoiado pelos três principais partidos e anunciado como obrigatório, inevitável e necessário até para o pagamento dos salários em junho, prejudicou o campo da oposição de esquerda. muitos decidiram não ir votar por acharem que não valia a pena e outros tantos preferiram as lógicas de voto útil, seja contra o psd, seja contra josé sócrates. nem a abstenção, nem o voto útil afectaram o pcp, mas ambos penalizaram duramente o bloco de esquerda. à luz do que vi e ouvi em campanha e ponderados os resultados, não tenho dúvidas em afirmar que o bloco deveria ter ido à reunião com o fmi. por bons que fossem os argumentos, ninguém os compreendeu. nem os que queriam que lá fôssemos ‘dizer umas verdades’, nem os que tinham a ilusão de que a participação poderia suavizar o resultado. estou à vontade para o dizer porque participei na decisão e porque a defendi. dou agora a mão à palmatória.

discutir o passado serve para preparar o futuro. ele já aí está, embora ainda mal se adivinhe – é o de um regime de credores confirmado parlamentarmente por três partidos. a violência desta era de protectorado colocará na agenda política a renegociação da dívida, acabará por provocar realinhamentos políticos e fará saltar para a ribalta novos protagonistas. do que o bloco precisa não é de substituir líderes à pressa, mas de dar ao seu povo sinais claros de que a avaliação de acertos e erros envolve todos os capítulos, incluindo os da renovação da sua direcção.