Desejo a Paz no Mundo

Querida avó, M udam-se os tempos, mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o mundo é composto de mudança»…         Podes estar descansada que não vou recitar poemas de Camões na carta de hoje! No entanto, este poema é a primeira coisa que me vem à cabeça quando leio: «Pela primeira vez, a Miss…

Querida avó,

M udam-se os tempos, mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o mundo é composto de mudança»…         
Podes estar descansada que não vou recitar poemas de Camões na carta de hoje! No entanto, este poema é a primeira coisa que me vem à cabeça quando leio: «Pela primeira vez, a Miss Portugal é uma mulher transgénero».

Fico boquiaberto! Não por Marina Machete (nome da vencedora), de 28 anos, ser agora uma das candidatas a Miss Universo 2023, mas por nem sequer saber que o concurso Miss Portugal ainda existia.

Recordo-me de ver, durante muitos anos, a Miss Portugal. O concurso de beleza feminino, criado em 1959, que se realizava anualmente na RTP. Tinha o objetivo de eleger as representantes da beleza lusitana para Miss Universo. O sonho de muitas meninas (e de muitas mães).

Em 1965 Lídia Franco não ganhou, mas foi a preferida do público. A Ana Maria Lucas é das primeiras que me recordo como vencedora. A maior parte delas nunca mais ninguém ouviu falar. No entanto, a Iva Lamarão, a Marisa Cruz e a Cláudia Borges continuam, permanentemente, a trabalhar na TV.

Nas últimas décadas nunca mais ninguém ouviu falar do concurso. Foi mudando de nome e perdendo o interesse.

Tinha que ser uma Manchete como estas para o concurso voltar a ser notícia.

Enquanto Israel e Gaza se bombardeiam mutuamente e a Rússia continua a sua invasão à Ucrânia, em Portugal muito se tem falado da Miss Portugal 2023 ter nascido… menino.

E dou comigo a pensar nas célebres frases das Misses «Desejo a paz no mundo» ou «Acabar com a pobreza e a fome».

Voltando ao Camões: «Continuamente vemos novidades/ Diferentes em tudo da esperança/ Do mal ficam as mágoas na lembrança/ E do bem, se algum houve, as saudades».

Bjs

Querido neto,

Às vezes dou comigo a pensar em coisas que, na minha cabeça se passaram, sei lá, para aí há meia dúzia de anos e depois, começo mesmo a fazer contas até que, como dizia a minha avó Gertrudes, «se acabam os números».

Hoje seria impossível um concurso como o das “Misses Portugal” como era antigamente. Com raparigas (virgens, claro) a desfilarem, em fato de banho, diante de uma data de pessoas que depois iam escolher a mais bem feita, a mais bonita – ou seja a exaltação da mulher-objecto.

Claro que não fomos nós a criar o Concurso das Misses. A França adiantou-se e, no fim do século 19, os jornais parisienses começaram a publicar fotos de rostos de mulher – que depois eram avaliados e a mais bonita recebia um prémio. Rostos, mais nada. Depois as marcas de roupa faziam desfilar as suas criações e esse foi o início do concurso.

Lembro-me muito bem desses concursos mas só me lembro mesmo a sério a partir do momento em que a Ana Maria Lucas venceu – e foi sempre muito conhecida por causa disso. Também me lembro de a Helena Isabel ter concorrido e ter ficado no quarto ou quinto lugar. Mas recordo-me, não por isso mas porque, numa entrevista que deu nessa altura, quando lhe perguntaram – sabe-se lá porquê – quantos habitantes tinha Lisboa, ela muito irritada responde: «Sei lá, para aí uns cem».

Desde o princípio dos concursos que quem tomou as rédeas e mandou naquilo tudo foi Vera Lagoa. Depois de a candidata desfilar, era-lhe perguntado o que desejava ela para o futuro – e todas respondiam «a paz no mundo», resposta que ficou famosa.

Depois o concurso foi-se esboroando, começou a ter outros nomes e acabou por ir à vida, ou pouco já se ouve falar. A não ser este ano, pela razão que já referiste.

Faz-nos falta algo como a Miss Portugal, para termos coisas alegres em que pensar.

Bjs