DGAEP pede a função pública que compare período troika e pós-troika em inquérito

“É campanha política”, dizem sindicatos. Organismo diz que não se condiciona por timings políticos

“O período da troika influenciou negativamente a minha motivação no trabalho?”. Esta é uma das mais de 40 perguntas disponíveis num inquérito destinado aos funcionários públicos para responderem em versão online e a submeterem. A missiva de aviso da realização do inquérito chegou por e-mail, pedindo-se que se proceda ao respetivo “preenchimento”. O caso está a indignar alguns sindicalistas porque soa a “campanha política”.

Lucinda Dâmaso foi talvez a mais crítica neste processo. A presidente da UGT considerou que “em campanha vale tudo”, citada pelo Observador, que noticiou o inquérito. O documento está disponível no site da direção-geral da administração e do emprego público (DGAEP), organismo para quem o Ministério das Finanças remeteu toda e qualquer explicação.

Mas, Ana Avoila, da Frente Comum, um dos sindicatos afetos à CGTP, não tem dúvidas. As referências no inquérito são “uma forma indireta de apelo ao voto” ou, no limite, “uma forma de coagir os trabalhadores”. 

Helena Rodrigues, presidente Sindicato Quadros Técnicos, começou por dizer ao i que ainda não tinha tido oportunidade de ver o inquérito. Mas, à primeira vista, o teor de algumas perguntas não faziam muito sentido. “De facto parece-me um absurdo”. Para a dirigente o que faria sentido era a avaliação das progressões de carreira e aquilo que condiciona, ou não, a motivação dos trabalhadores. “Parecem-me questões iminentemente claras daquilo que é uma campanha política, e que não têm nada a ver com essa análise”, defendeu a sindicalista.

Em causa estão quatro perguntas, colocadas já no final do inquérito onde se pede aos funcionários públicos que respondam, não só como a troika lhes influenciou a motivação no trabalho, mas também mais três questões. A saber: “a reposição dos salários afetou positivamente a minha motivação no trabalho; o descongelamento progressivo das carreiras é motivador; sinto-me hoje mais motivado no trabalho do que há 5 anos atrás”.

Na prática, pede-se ao trabalhador que compare o período de governação no tempo da troika, ou seja do executivo de Passos Coelho, com o atual governo socialista. “É uma forma estranha porque aquilo que é a opção [política] de cada um, a cada um diz respeito”, argumenta Helena Rodrigues, insistindo que não faz sentido fazer um estudo sobre a política salarial da Função Pública apenas relativa a um período concreto. “Parece uma sondagem em termos daquilo que será a votação [das legislativas]. Este grupo [da Função Pública] pela sua dimensão influencia de alguma forma o resultado eleitoral”, concluiu a sindicalista ao i. 

José Abraão, da Fesap, prefere destacar que faria mais sentido aferir o grau de satisfação dos trabalhadores comparando com o ano de 2009, altura em que se iniciaram os cortes para a Administração Pública.

A DGAEP respondeu ao i que “este questionário constitui o follow up do questionário realizado em 2015 sobre a motivação dos trabalhadores”. E foi por isso, que se incidiu o inquérito sobre esse período e nos anos posteriores, lembrando ainda que seguiu os modelos de outros países da OCDE.

Mais: “Um trabalho de investigação, como é o caso, não deve ser desvirtuado do seu verdadeiro objetivo, nem está condicionado aos timings políticos, porque deixaria de ser imparcial e independente. Não sendo conhecidos os resultados do questionário antes das eleições, mas sim até ao final do ano, dificilmente se compreende como poderia ser utilizado como instrumento de campanha eleitoral”. Por fim, a DGAEP justifica a questão especifica sobre a troika porque não só não existem perguntas tabu, mas também “colocando-se a hipótese de a austeridade ter tido um maior impacto durante o período da troika, justifica-se a sua referência”.

Nas redes sociais, o tema mereceu comentários de deputados do PSD, como o de Duarte Marques: “Uma vergonha, um aproveitamento inacreditável dos meios do Estado para recolher informação e sobretudo para tentar apelar ao voto dos funcionários públicos no Partido Socialista”.