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O antigo Presidente da República, Jorge Sampaio, apelou pela 457.ª vez à serenidade. O motivo desta vez é a discussão sobre o relatório do FMI e a reforma do Estado que devia ter acontecido há mais de dez anos ou, no mínimo, dois meses depois de o Governo tomar posse, quando ainda tinha o país…

é tarde, mas vamos ver o que acontece, se é que acontece. de tudo o que se podia pedir neste momento sombrio que o país atravessa, «serenidade para discutir tudo» ocupa os últimos lugares da lista. se é para pedir coisas às massas (que ideia espantosa…), então que se peça mais espírito crítico, mais cepticismo, mais liberdade de pensamento, menos burrice à solta. também não é nada que se peça, mas são sound-bytes mais apelativos, além de surpreenderem toda a gente que ouve pessoas como jorge sampaio a apelar ao sossego num momento em que nunca foi precisa tanta genica física e cerebral e debate com argumentos sérios.

nada a ver com isso

não vi a cerimónia de entrega dos golden globes, porque não houve nenhum canal de televisão em portugal que a transmitisse. dormi mais horas, mas tive pena de não acompanhar a entrega dos prémios em directo. graças ao youtube, pude acompanhar os momentos altos da festa. um deles, o mais falado, mais do que as apresentações de tina fey e amy poehler, foi o discurso de jodie foster, galardoada com o prémio de carreira cecil b. demille. a actriz que conhecemos do ecrã desde pequenina não falou sobre nada que não seja conhecido há muito a respeito da sua vida privada. falou simplesmente sobre ninguém ter nada a ver com isso. discursou com um certo nervosismo, mas com sinceridade e elegância, sem recorrer a piadas deslocadas. durante seis minutos e pouco, jodie foster explicou que a sua vida privada só a ela e às pessoas que ama e em quem confia diz respeito. só por este momento de defesa da individualidade merecia mais um prémio.

boas surpresas

já não é a primeira vez que me acontece o seguinte. estou a estacionar num lugar com parquímetro e aparece alguém a dar-me o bilhetinho que tinha porque vai sair antes de usufruir do tempo que pagou. nunca me tinha acontecido antes, mas no espaço de uma semana foram logo dois condutores simpáticos a ter esta ideia. já tinha dado o bilhete, mas ainda não tinha recebido nenhum. uma pessoa fica com a sensação de que é a única a ter esta ideia. mas não é. na segunda vez, o condutor saiu do lugar de estacionamento e parou o carro para me vir dar o bilhete dele. não vou especular sobre a nossa união na crise por causa da sorte repetida que tive. estava no sítio certo à hora certa, às voltas para encontrar um lugar, só isso. é um acto que não custa nada, não exige nada. faz bem a quem faz a gentileza e a quem a recebe. chega a dar a impressão de que não estamos tão divididos e que até podemos ser os destinatários de um gesto simpático.

puxar pela cabeça

um grupo de cientistas, psicólogos e estudiosos da língua e da literatura inglesas colaborou num estudo sobre os efeitos da leitura no cérebro. os resultados têm interesse como ponto de partida para uma discussão sobre os programas de estudo nas escolas. segundo o estudo realizado na universidade de liverpool, a zona do cérebro que corresponde à memória autobiográfica tem mais actividade e por isso aparece iluminada na ressonância magnética com a leitura de autores clássicos como shakespeare, wordsworth e t.s. eliot. a notícia do telegraph nunca refere a associação (falsa) entre ler os clássicos e ser boa pessoa. a importância está em exercitar a cabeça, fazendo com que trabalhe a partir de textos menos óbvios ou fáceis. pela área iluminada, podemos especular sobre a relação entre a poesia e a necessidade humana de autoconhecimento. os melhores leitores podem não ser as melhores pessoas, mas frequentam um bom ginásio.

o retrato de kate

paul emsley pintou o primeiro retrato oficial da duquesa de cambridge. como é comum nos dias de hoje, a obra foi recebida com comentários desagradáveis. até a crítica de arte do guardian teve a indelicadeza de o comparar a uma personagem do filme twilight. é no que dá querer agradar ao público anónimo. só a própria kate middleton e sir hugh leggat, negociante de arte, que observou que paul emsley ultrapassou o hiper-realismo e criou um «realismo temporal», manifestaram ter gostado do retrato. não o vi ao vivo, mas vi, do mesmo autor, o de v.s. naipaul e fiquei impressionada. havia um movimento pouco usual no quadro, que também parece existir nesta obra. há ainda uma simplicidade e uma franqueza no retrato de kate middleton que me agradam. como referiu christopher lloyd, do art fund, o tom de mistério está no fundo escuro. dizem que kate parece mais velha. foi o artista que a viu mais sábia do que numa fotografia.