Espaço. A fronteira onde Trump ainda não tinha metido a mão

A Casa Branca decidiu ressuscitar o Conselho Nacional do Espaço para recuperar as rédeas da exploração espacial. A cerimónia aconteceu na passada sexta-feira mas tornou-se viral nos últimos dias, cortesia do histórico astronauta Buzz Aldrin

Já lhe chamaram com graça “as sobrancelhas da América” mas Buzz Aldrin, ativo nas redes sociais aos 87 anos de idade, ainda não se descoseu. Na passada sexta-feira, o antigo astronauta que ficará para a história por ter sido o segundo homem a pisar a Lua esteve ao lado de Donald Trump na assinatura de uma ordem executiva que dá nova vida ao Conselho Nacional do Espaço, através do qual a administração norte-americana espera relançar o país na liderança espacial.

Os planos não são conhecidos em detalhe e a cerimónia tornou-se viral por outros motivos: enquanto Trump falava, Aldrin foi-se desfazendo em expressões caricatas, que não dá para perceber ao certo se eram de desconfiança, aprovação, surpresa ou indisposição. Mas o passado mostra que há ideias onde não está longe de Trump, como por exemplo que o setor privado tem um papel a desempenhar no setor.

Antes de ir ao discurso, e apesar da sucessão de comentários e partilhas do vídeo como se fosse a personificação de uma estupefação coletiva perante Trump, importa ver o que disse entretanto Aldrin. Depois da cerimónia partilhou um tweet do vice-presidente norte-americano Mike Pence e escreveu apenas estar “feliz pelo facto de o Espaço estar a ter a atenção necessária para que avancem na direção de um compromisso com planos que permitam regressar à lua e chegar a Marte. Como hashtag, escolheu #GIATM – acrónimo de Get Your Ass To Mass, campanha que lançou através da sua fundação ShareSpace, que se dedica a despertar a paixão pela ciência e tecnologia junto dos mais novos.

Os jovens que precisam de ser inspirados também estiveram presentes no discurso de Trump mas não foi tanto nessa parte que Aldrin arregalou os olhos. O presidente norte-americano, ao seu jeito habitual, começou por prometer que a América irá liderar de novo a corrida espacial. “Vamos liderar de novo como nunca liderámos antes”.

Ainda no preâmbulo, Trump apresenta Aldrin como um “herói americano” que conhece há muito tempo. Há muito tempo, repete. Depois de alguma falta de jeito para dar com ele para um aperto de mão, agradece a presença de outros astronautas e técnicos da NASA. De seguida, saúda o secretário de Estado do comércio, Wilbur Ross, que passara a manhã a negociar com a Coreia do Sul e é aqui que Aldrin faz um dos primeiros esgares.

Findas as introduções, Trump começa então a falar do Espaço. “Durante a campanha, o vice-presidente Pence prometeu que a nossa administração – porque o Mike gosta muito do Espaço – iria ressuscitar o Conselho Nacional do Espaço e, com esta ordem executiva, estamos a cumprir essa promessa. Tenho sentimentos fortes em relação a isto. Tive sentimentos fortes durante muito tempo. Costumava dizer antes de fazermos isto, o que aconteceu? Porque é que não estamos a avançar?”.

Aldrin continua a dar uso às sobrancelhas e chegam mais uns detalhes. Diz Trump: “O nosso vice-presidente gosta muito de política espacial e por uma boa razão: a exploração espacial não é só essencial para o nosso caráter enquanto nação mas também para a nossa economia e para a segurança da nossa grande nação. As nossas viagens para lá da Terra alimentam descobertas científicas que podem melhorar as nossas vidas de inúmeras formas: alimentando uma vasta indústria, impulsionando novas tecnologias incríveis e fornecendo a segurança espacial de que precisamos para proteger o povo americano. E a segurança vai ser um fator muito importante no que diz respeito ao Espaço. Vai chegar uma altura em que vamos olhar para trás e perguntar como é que o fizemos sem o espaço?” Aldrin arregala mais uma vez os olhos e o discurso não adianta a que tipo de segurança se refere a Casa Branca, se são satélites vigilantes ou se se teme a ameaça extraterrestres.

Mas Trump deixa uma pista. O conselho será liderado por Pence e contará com vários representes da administração, incluindo os secretários da Defesa, Comércio, Transportes e Segurança Interna, o chefe do Estado-Maior dos EUA (Joseph Dunford) e ainda representantes da NSA e da NASA, referida em penúltimo lugar antes de Trump mencionar por fim o diretor de informações nacionais.

Aldrin torna a usar as sobrancelhas quando Trump acrescenta que haverá lugar ao contributo de outros representantes da Casa Branca mas também de cientistas, inovadores e empresários do país. “Muitos empresários querem ter um grande papel nisto. Penso que a privatização de certos aspetos vai ter um papel crucial, não acham? Eles estão mesmo empenhados.” O que pensou o antigo astronauta naquele momento deverá ficar com ele, mas a sua posição sobre os privados é positiva, desde que os compromissos estejam alinhados e que não haja competição – até porque podem libertar-se verbas públicas para ciência de ponta. No ano passado defendeu que o Congresso deve deixar de tentar competir com o privado em foguetões, onde não consegue meter tanto dinheiro como milionários com Elon Musk, mas sim procurar parcerias maiores com outros países, como a China ou a Rússia – sobre isso Trump nada disse.

Já num artigo publicado na “Time” em 2015, Aldrin apontava noutra direção: os privados poderiam explorar as órbitas mais próximas da Terra. “Isto pode acontecer na forma de estações espaciais privadas ou até o florescer do turismo espacial”. Já à NASA caberia uma aposta em tecnologias inovadoras que permitam resolver desafios de fundo como pousar em Marte, aproveitar água congelada ou novos reatores nucleares.

Trump prosseguiria por caminhos mais filosóficos. “Desvendando os mistérios do universo, desvendamos verdades dentro de nós. A nossa viagem pelo Espaço não vai só tornar-nos mais fortes prósperos mas vai unir-nos através de grandes ambições e aproximar-nos uns dos outros. Não seria bom? Acreditam que vai ser o espaço a conseguir isso? Pensei que seriam os políticos?”, disse Trump a rir-se e Aldrin sorriu também com um ar condescendente. “Bom, vamos ter de confiar no Espaço.” Espera Trump que a América venha a liderar e a pensar em grande, de novo. No final, já com a ordem executiva na mão, notou que no papel se lia “Espaço”. “Infinito e mais além”, diz Aldrin, ao lado, lembrando a frase de Buzz no filme Toy Story. Já no improviso, Trump admite que o Espaço pode ser infinito. “Pode ser infinito, na realidade ninguém sabe”.

Retóricas à parte, Trump referiu a exploração espacial como um desígnio nacional logo no discurso de inauguração. Nos primeiros meses, pouco mudou, houve apenas uma ligeira diminuição do orçamento da NASA para 2018. Este tipo de coordenação presidencial surgiu pela primeira vez em 1958 na presidência de Eisenhower e foi abraçada por Kennedy, que prometeu levar o homem à Lua mas não viveu para ver o feito em 1969.

O conselho seria recuperado entre 1989 e 1993 pela administração Bush. Quanto à saudosa liderança, não é que os EUA a tenham perdido. Segundo a última comparação da OCDE, em 2013 os EUA continuavam a ser o país que mais investia em exploração espacial. Seguem-se China e Rússia. Quando se tem em conta o PIB, Putin ia ligeiramente à frente, com 0,25% do produto nacional aplicado no Espaço contra 0,23% nos EUA.