Estudar atrás das grades

Uns estudam na cela, outros vão pelo próprio pé até à faculdade. No essencial, são iguais a todos os outros estudantes, com uma pequena diferença: dormem todas as noites na prisão.

Estudar atrás das grades

Este ano lectivo, segundo dados adiantados ao SOL pela Direcção-geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), estão inscritos no ensino superior 58 reclusos – a esmagadora maioria portugueses e do sexo masculino. Um número que tem aumentado ao longo da última década – em 2004, eram apenas 33.

Para a maioria destes reclusos, a decisão de tirar um curso foi tomada já na prisão. Mas também há casos, embora minoritários, em que ingressaram numa universidade antes de serem condenados, prosseguindo os estudos académicos já no estabelecimento prisional.

O curso de Direito é o que reúne maior número de preferências (foi escolhido por oito dos 58 reclusos). Alfredo Morais, ex-agente da PSP condenado por extorsão e lenocínio, e Mário Machado, líder da Frente Nacional, estão entre os que optaram por esta via (o primeiro já terminou o curso). Logo a seguir vêm Gestão, Ciências Sociais (ambos com sete reclusos) e Turismo (cinco).

E qualquer recluso pode inscrever-se? Sim, “independentemente do crime e da pena, e desde que tenha habilitações académicas que o permitam” – esclarece o gabinete do director-geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Rui Sá Gomes.

Mas como se consegue tirar um curso superior em reclusão? É possível, qualquer que seja o regime em que se encontre o recluso. Os que estão em regime fechado ou em regime aberto no interior (estes últimos têm liberdade de movimentos na cadeia, com acesso à biblioteca, por exemplo) apenas estão autorizados a deslocarem-se à universidade para fazerem os exames, sendo transportados e vigiados a todo o momento por guardas prisionais.
“Estudam e preparam-se eles próprios com materiais trazidos por familiares”, explicou ao SOL Joaquim Boavida, juiz do Tribunal de Execução de Penas (TEP) de Lisboa, acrescentando que muitos reclusos frequentam cursos da Universidade Aberta, ministrados à distância. Por outro lado, explica fonte da DGRSP, “há alunos que, através dos serviços de educação dos estabelecimentos prisionais, trocam textos e e-mails com os professores, há quem o faça por correio postal, por intermédio de familiares e de amigos, e há ainda quem receba a visita de alguns professores que a isso se disponibilizem”.

Alguns reclusos, caso o estabelecimento o permita, “estudam em celas próprias, onde inclusive podem receber apoio de professores que leccionam na prisão cursos de nível básico e secundário”, acrescenta a mesma fonte.

Vão à universidade com escolta

Na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, está inscrito actualmente um recluso, mas nem ele sai da prisão nem os professores vão ao seu encontro. No entanto, garante fonte da Divisão Académica, estes alunos “têm acesso ao programa, indicações bibliográficas e outros materiais sobre os temas versados nas aulas”. E “deslocam-se à faculdade para realizarem os exames, com escolta da guarda prisional e em sala disponibilizada de propósito para o efeito”. A realização de exames é, de resto, uma garantia. “Mesmo durante as greves, essa tarefa faz parte dos serviços mínimos”, lembra Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.

Há reclusos, porém, que não têm a vida tão facilitada: estão em regime de segurança (na cadeia de Monsanto) e não podem sair da prisão nem sequer para fazer exames – são os guardas que lhos fazem chegar. O etarra Andoni Zengotitabengoa faz parte deste leque de reclusos.

'Confiança absoluta'

Há ainda uma terceira modalidade, que só pode ser autorizada por juízes de execução de penas: a colocação em regime aberto no exterior (só possível quando cumprido um quarto da pena) – que permite ao recluso total liberdade para sair do estabelecimento e assistir às aulas, de acordo com um horário diário que é fixado previamente. “Há uma confiança absoluta nestes reclusos, que não estão sujeitos a qualquer limitação ou vigilância. Muitas vezes nem sequer os professores se apercebem da sua condição”, nota o magistrado Joaquim Boavida, ressalvando que, em cada caso, o juiz tem de analisar factores como o perigo de fuga, o comportamento na prisão e a probabilidade de o recluso reincidir e de contactar a vítima.

Mas, “regra geral”, garante o juiz, as revogações por incumprimento são praticamente inexistentes. “Estes reclusos são de tal maneira escolhidos a dedo que não são nada problemáticos, são até bons alunos”. O magistrado recorda-se inclusive de ter autorizado um recluso do Linhó condenado por homicídio a frequentar a universidade: “Saía de manhã e regressava pelas 18h”.

“Por razões de segurança, já que podem ser alvo de pressão para transportarem droga, por exemplo”, estes reclusos estão em celas individuais, separados dos restantes.

A verdade é que poucos são os que beneficiam deste regime.  “Provavelmente por desconhecimento”, não se candidatam. O gabinete de Rui Sá Gomes adiantou ao SOL que ao longo deste ano será feito um “levantamento dos reclusos que revelam interesse e condições para frequentar este nível de ensino” para “melhorar as condições de apoio” e celebrar mais protocolos com universidades. Em qualquer caso, quem queira estudar na prisão não foge às regras e tem de pagar as propinas. A DGRSP lembra que alguns reclusos, caso não tenham recursos no exterior (de família ou amigos), são apoiados pelos serviços prisionais, nomeadamente na candidatura a bolsas da Acção Social.