‘FEMEN é ter boas maminhas e as mãos limpas’

São jovens, bonitas e despem-se para protestar contra tudo e contra todos. O SOL falou com a co-fundadora do FEMEN – o grupo feminista mais conhecido do mundo -, Alexandra Shevchenko já foi presa mais de 20 vezes.

o protesto era contra a falta de casas de banho públicas. sim, contra a falta de casas de banho públicas em kiev. em 2010, uma manifestante mostrava as nádegas, do lado exterior de um wc que se encontrava fechado, em plena praça pública. os protestos do movimento de mulheres femen já tinham dado a conhecer ao mundo, desde 2008, outros atributos físicos… e outras causas.

manifestam-se em topless contra todo o tipo de injustiças. apesar de ser uma árdua tarefa não reparar no peito despido destas activistas, o grupo pede que o mundo as oiça, e não que olhe para elas. será que consegue? é que inicialmente até os responsáveis do facebook fecharam a página do femen por suspeita de ter conteúdos «pornográficos». a página foi entretanto reactivada.

mas desengane-se quem pensa que para ser uma femen é preciso despir-se. as 40 activistas que se manifestam nuas representam a minoria. o grupo tem 300 membros na ucrânia, que se manifestam envergando t-shirts do femen. há que ser maior de 18 anos para se despir, claro, mas até mulheres com mais de 65 anos fizeram topless para apoiar o movimento. desengane-se também quem pensa que para pertencer ao femen é preciso ser do sexo feminino. há homens na organização. no entanto, é o poder feminino que rege e que comanda as ‘operações’.

a queda de anna hutsol, uma economista de formação e a fundadora do movimento, para as artes dramáticas ajudou certamente no aparato teatral das manifestações do grupo. quando conheceu histórias de mulheres que saíam da ucrânia à procura de vidas melhores no estrangeiro, hutsol ficou chocada ao saber que muitas vezes elas eram enganadas e exploradas noutras paragens. a ucrânia é um dos países de onde saem mais mulheres para ‘casamentos arranjados’ – vendidas a homens sós que procuram uma parceira. anna agiu. «criei o femen porque percebi que faltavam mulheres activistas na nossa sociedade; a ucrânia está orientada para os homens e as mulheres têm um papel muito passivo», afirmou a jovem líder de 28 anos.

a luta das irmãs shevchenko

a primeira vez que inna shevchenko atendeu o telefone para falar ao sol, logo perguntou: «pode ligar daqui a umas horas? fizemos uma manifestação e agora estou na esquadra». depois da manifestação de dia 13 de dezembro em frente ao parlamento ucraniano, o femen repetiu a façanha no dia 16, insurgindo-se contra a falta de mulheres no governo. novamente interceptadas pela polícia, cinco membros do grupo foram presas. inna foi uma delas, por isso estava novamente detida.

na impossibilidade de falar com inna, que é normalmente a porta-voz do grupo, foi alexandra shevchenko, a sua irmã e co-fundadora do movimento, que falou ao sol. «eu e a anna [hutsol], as fundadoras do femen, somos de uma pequena cidade no oeste da ucrânia. começámos a construir o movimento em khmelnitsky. a anna mudou-se para kiev. eu de repente percebi que o sentido da minha vida era o femen e que também tinha que vir para cá. quero ajudar as mulheres de todo o mundo a perceber o que eu percebi, que as mulheres podem fazer tudo. e precisamos de tornar o mundo melhor», disse ao telefone.

a família de alexandra e inna não encarou da melhor forma o envolvimento das filhas no femen. os seus pais viveram sob o domínio soviético, em que eles próprios só podiam manifestar-se com a permissão do partido comunista. ver a luta despida das filhas não foi fácil, como conta a activista: «tivemos um grande conflito por causa da minha escolha. a minha mãe é a personalização do modelo tradicional de comportamento feminino. quer que eu case e tenha filhos. os meus pais temem pela minha vida e, além disso, dependem muito das opiniões dos outros. fecharam-me no meu apartamento para que eu não conseguisse ir para kiev. agora, já aceitam o que faço porque as pessoas começaram a apoiar a nossa causa».

depois de estabelecido na capital ucraniana, o movimento foi crescendo. cada vez mais mulheres se interessavam pelo femen. inna shevchenko juntou-se à luta da irmã em 2009, um ano depois do movimento ser fundado.

mas o que é preciso para ser uma femen? «femen é o nome de uma mulher nova, capaz de mudar o mundo com o sexo, com truques e histeria. é desordeira, traz neurose e pânico para o mundo dos homens. femen é a capacidade de sentir os problemas do mundo, é a verdade nua e crua. femen é ter boas maminhas, a cabeça fria e as mãos limpas!», explica alexandra.

tal como outros membros do movimento, alexandra não consegue contar o número de vezes que já ficou atrás das grades. «mais de 20 vezes na ucrânia e também no vaticano, onde fui presa três vezes. quando fui presa a primeira vez estava com muito medo, mas o medo não me deteve e até comecei a protestar com outro entusiasmo».

no dia das eleições presidenciais de 2010 na ucrânia, as mulheres despiram-se e manifestaram-se em kiev contra a vitória de viktor yanukovych. desde então, alexandra afirma que o poder político tem tentado intimidar o grupo e conta um episódio que se passou com a fundadora, anna hutsol: «temos uma experienciazinha de ‘diálogo’ com os serviços de segurança da ucrânia (sbu). na noite antes de um protesto contra a pressão dos sbu, eles foram a casa da anna e arrastaram-na para o carro. ameaçaram causar-lhe danos físicos para que ela cancelasse o protesto, isto durante três horas». apesar da ameaça, o protesto não foi cancelado e alexandra contou o que tinha acontecido à imprensa ucraniana. «os nossos defensores são os meios de comunicação. a nossa arma é a publicidade».

aos que criticam o grupo por expor o corpo, alexandra responde com firmeza: «somos contra o turismo sexual e a prostituição. usamos o corpo para exprimir a nossa liberdade. as mulheres são sexualmente escravizadas pelos homens, têm que se despir como sinal de libertação. em diferentes culturas, se virmos uma mulher coberta, ela é provavelmente oprimida pelos homens, é uma mulher que foi privada de direitos humanos».

inna, despedida da câmara municipal de kiev, não foi a única a perder o emprego por pertencer ao grupo. mas o femen já é em si um emprego full time. como alexandra explicou ao sol: «tornámo-nos empresárias. vendemos diversos produtos com o nosso logótipo». o grupo recebe também donativos de apoiantes, como o alemão dj hell.

sonia.cecilio@sol.pt