Future Islands. “Antes éramos nós contra o mundo. Agora trabalhamos para ele”

A vida dos Future Islands mudou quando a coreografia exuberante de Samuel T. Herring saltou do fundo azul do programa de David Letterman para os ecrãs da democracia digital. Acidente ou premeditado? O guitarrista William Chasion responde

É possível que muitos dos turistas acidentais com quem se cruzaram em festivais nos últimos três anos não conheçam os antecedentes mas antes de “Seasons (“Waiting On You”) ter mudado a vida dos Future Islands havia uma tríade de álbuns homogéneos, cimentada por refrãos melodiosos e despojados, uma noção do passado new wave, da sua elevação ao estatuto de cabeça de cabeça de cartaz e do potencial para vender cervejas em ajuntamentos de milhares.

Os ingredientes que fizeram de “Seasons (Waiting On You)” um caso raro de viralidade em território alternativa, quase sempre inimigo da ideia de ver um single nadar fora de pé e enfrentar o julgamento do ouvido comum. “Não existem problemas, apenas soluções”, defendia John Lennon no apogeu da utopia da paz e do amor. Perder a exclusividade podia ser um problema para muitas das bandas habituais neste circuito; para os Future Islands foi a melhor coisa que podia ter acontecido. “Nós já éramos uma banda antes. Os três primeiros álbuns deram-nos estabilidade. Chegámos a algumas pessoas. Trabalhámos muito para conseguir este sucesso”, defende o guitarrista William Cashion a partir de Baltimore, quartel-general do grupo.

3 de Março de 2014 passou a ser feriado no calendário Future Islands. Recapitulando: “Seasons (Waiting On You)” fora estreada a 21 de Janeiro com um vídeo de cowboys. O fim de uma vida e o início de outra anunciava-se mas a estocada final na indigência seria dada a 3 de Março de 2014 no programa de David Letterman.

Sobre fundo azul estrelado, o vocalista Samuel T. Herring dá corpo ao single com uma coreografia exuberante entre Elvis Presley e Bruce Springsteen que a faz saltitar de mural em mural e a eleva ao patamar desejado nos dias que correm de viral instantâneo. Na sexta-feira, há gente em clubes de rock a imitá-la – tarefa árdua – e DJs a repeti-la no final do alinhamento. Há um vício a nascer e ainda hoje ninguém se esquece dela.

“Foi tudo natural. Não houve conversas de bastidores. O Samuel é mesmo assim. Estávamos muito nervosos. Acho que nesse dia, ele só tinha medo de cair. Agora, por causa desse vídeo, quando tocamos a canção estamos sempre cheios de medo”, confessa, reafirmando ter-se tratado de uma surpresa o impacto causado. Apesar da ambição assumida pela banda de dar o salto para uma divisão cimeira da cultura popular. E muito graças ao bailado de Samuel T. Herring, voz com passado metaleiro, amplitude de rapper e crooner e ginga de dançarino em festas de rua.

“Há um antes e um depois, definitivamente. Muitos festivais passaram a contratar-nos. O público mudou. Passámos a tocar para mais gente. A nossa carreira sofreu uma mudança. Ficámos maiores”, afirma. A loucura foi tal que até os Coldplay republicaram o vídeo. “Foi fixe. Nós conhecemo-los. Damo-nos bem com eles”, reage. Bono pergunta por eles na “Rolling Stone” e, de repente, os Future Islands conhecem o admirável mundo novo por que sempre esperaram.

À saída do anterior “Singles” – o nome já anunciava a cartilha de intenções – os Future Islands conservavam o espírito guerreiro ao proclamar. “Somos nós contra o mundo”. Três anos, milhares de milhas aéreas e centenas de carimbos no passaporte depois, até isso mudou, reconhece. “Já fomos assim. Éramos só nós. Não tínhamos ninguém a trabalhar connosco. Nem manager. Estávamos por nossa conta. Agora, trabalhamos para o mundo. Temos uma equipa muito maior connosco. Pessoas que cuidam da nossa carreira”, não esconde.

O guitarrista concorda que os Future Islands passaram por um “período de ajustamento” na transição da esquerda para o centro mas diz-se “confortável” agora que os Future Islands conseguiram o que queriam. “Sim, estamos bem com o que conseguimos. Podíamos crescer mais mas também não sabemos como”, responde com ironia mas também sinceridade.

Nos chavões da música popular, o segundo álbum tem a alcunha de “difícil”. Neste caso, a pressão adicional só chegou ao quinto com quase dez anos de vida em comum para trás, amplificadores às costas, horas de estúdio, promoção e um conhecimento vasto das regras do jogo.

“Desta vez, houve uma pressão maior de fora”, identifica, “mas nós escrevemos canções como sempre fazemos. É um disco de Future Islands, como os outros. Não mudámos nada no processo. Escrevemos cerca de vinte canções e depois escolhemos as melhores. Espero que possamos ser sempre assim. Já somos suficientemente maduros para sabermos o queremos”, declara. E sobre “The Far Field” garante que o objetivo foi o mesmo dos quatro episódios anteriores. “Só queríamos fazer um grande álbum com boas canções. Não houve um conceito. De alguma forma, quisemos captar a energia inicial dos três primeiros álbuns”, conta.

“Wave Like Home” (2008), “In Evening Air” (2010) e “On The Water” (2011), a trilogia pré-fama, era menos polida. “Singles” (2014) era todo ele objetividade. “The Far Field” é “um regresso à casa de partida”. À folha em branco por preencher na garagem. Do lado de fora da sala ficou a tentação de escrever uma sequela de “Seasons (Waiting On You)” para justificar convites das promotoras e contabilizar números obtidos via streaming, agora que este negócio passou a entrar nas contas da indústria. “Não se pode forçar uma coisa dessas. Não temos esse poder nem essa capacidade de escrever uma canção só para funcionar”, assegura.

Em agosto, os Future Islands reencontrar-se-ão com Portugal num dos festivais que se gaba de preservar a independência. William Cashion ainda se recorda de “passear de “gôndola” no norte do país quando a banda passou pelo Hard Club no apogeu do êxito viral. A segunda vida dos Future Islands acabara de começar. Agora que conquistaram o seu quinhão entre os grandes, continuam a defender o palco como “a experiência definitiva” na relação com a música. “Um disco é um documento de um tempo, mas as canções continuam a evoluir. Somos uma banda muito melhor agora.” Em tamanho, pelo menos.