Futuro. A escuridão ao fundo do Túnel da Mancha

Negociações complicadas, vida difícil para os cidadãos europeus, Irlanda do Norte e Escócia com vontade de fugir das terras da rainha

O negociador da União Europeia, Michel Barnier, afirmou que as negociações teriam de durar menos de 18 meses, que primeiro se vai negociar a saída do Reino Unido e “cada país deve honrar os seus compromissos. Quando um país sai da UE, não há castigo. Não se paga um preço por sair. Mas há que saldar as contas”, relembrou. Barnier avisa Londres das graves consequências que teria o facto de o Reino Unido não aceitar fazer uma saída negociada. O negociador é perentório: primeiro acorda-se os termos da saída, só depois é que será negociado um acordo entre a UE e o Reino Unido. Esse acordo tem de ser negociado pela UE e aprovado por todos os parlamentos nacionais. Barnier alerta os seus congéneres e os membros da UE para que não podem ser aceites acordos país a país, como pretende o governo do Reino Unido. Em conferência de imprensa, ladeado do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, relembrou que visitou já 18 países da Europa e conferenciou com os seus governos, e que todos concordaram na necessidade de vincar uma posição comum da UE. Segundo declarou o francês Barnier, há três aspetos que têm de ser acautelados nas negociações em curso: manter a unidade dos 27, eliminar a incerteza que rodeia os cidadãos europeus e, repete, não misturar a saída do Reino Unido da UE com o acordo futuro.

O negociador europeu minimiza as ameaças britânicas de converter a ilha num “paraíso fiscal” que pudesse atrair as empresas dos 27, relembrando que esse tipo de dumping fiscal embateria no acordo futuro, até porque ele tem de ser aprovado “por todos os Estados-membros e pelos seus parlamentos nacionais”.

Sobre a pressão que significa ter muitos cidadãos europeus a trabalhar e a viver no Reino Unido, Barnier recorda que há quatro milhões de britânicos a viver nos 27 países da UE e que todos eles gozam, até agora, de proteção social equivalente aos nacionais desses países.”Keep calm and negotiate”, declarou na língua do “inimigo” o negociador europeu, em conferência de imprensa ao lado do presidente da Comissão Europeia.

As negociações não se auguram fáceis. No seu discurso de 17 de janeiro, a primeira-ministra britânica, Theresa May, afirmou que vai haver um Brexit duro e que “é preferível não haver acordo a ser feito um mau acordo”. As declarações de May foram depois secundadas, no dia seguinte, pelo seu polémico ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, que comparou a posição do presidente da França, François Hollande, com a de um guarda de campo de concentração que quer impedir os prisioneiros de fugir. Se se chegar à situação do divórcio por post-it no frigorífico, fica por esclarecer se Londres chegaria a pagar os cerca de 60 mil milhões de euros que, segundo o “Financial Times”, deve à UE, e qual seria a situação dos cidadãos da UE no Reino Unido e dos britânicos e da Irlanda do Norte nos 27 países da UE.

CONSEQUÊNCIAS INTERNAS NA UE E EM PORTUGAL

Para além das consequências para a economia do Reino Unido, ainda não totalmente quantificáveis nas próximas décadas, há já custos políticos internos para Londres. Há duas regiões, para além de Londres, que votaram significativamente contra o Brexit: Escócia e Irlanda do Norte. Aí, a saída do Reino Unido da UE deu um novo impulso aos independentistas. Na Irlanda do Norte, o Sinn Féin esteve a 1000 votos de se tornar o partido mais votado da região em recentes eleições. Na Escócia, a primeira-ministra, Nicola Sturgeon, já veio dizer que na primavera de 2018 se vai realizar um novo referendo sobre a possível independência desta região do Reino Unido. Ontem o governo escocês foi mandatado pelo parlamento regional para negociar, com Londres, a consulta. No anterior, em que venceu por pouca margem a manutenção da Escócia no Reino Unido, o argumento de que a UE só aceitaria uma Escócia não independente foi dos mais fortes. Com a saída do Reino Unido, a situação seria completamente diferente, tanto do ponto de vista dos escoceses que foram maioritariamente pelo remain como pelo ponto de vista da UE, que poderá ver com outros olhos uma Escócia independente. Mesmo as grandes empresas com sede na Escócia que ameaçaram sair da região caso o sim à independência triunfasse, numa situação de uma Escócia na UE não só poderiam como o novo país atrair empresas britânicas que não querem perder o acesso ao mercado comum europeu.

Na Irlanda, o Brexit terá como efeito imediato fechar as fronteiras entre a República da Irlanda, na UE, e a Irlanda do Norte, no Reino Unido, mas pode contribuir para dar o alento final para a autodeterminação da Irlanda do Norte e a sua reunificação com a República da Irlanda. O aspeto mais irónico da situação é que a maioria dos apoiantes do unionismo são populações que migraram da Escócia.

Em Portugal temem-se sobretudo os efeitos económicos e sociais da saída. O Reino Unido é o mais velho aliado, há 136 mil portugueses imigrados no Reino Unido e 20% do turismo português é de origem britânica. O nosso país seria, segundo um relatório Global Council, o quarto país da UE mais afetado com a saída do Reino Unido.