Giro. Como dar brilho às páginas cor-de-rosa…

O Giro comemora para o ano a sua 100.ª edição. A ambição dos italianos é organizar uma prova que fique na memória e possa pedir meças à Volta à França

“La storia del Giro è una storia d’amore senza tramonto”, escreveu um dia Candido Cannavò, o histórico director da “Gazzetta dello Sport”. Uma história de amor de um jornal pelo ciclismo, também. De tal forma que, as páginas cor-de-rosa do grande jornal italiano se reflectem na camisola rosa do comandante da prova.

Ainda falta muito até Maio, mas a “Gazzetta delle Sport” apresentou com orgulho legítimo a 100ª edição da Volta a Itália. Um percurso extraordinário e inovador de mais de 3500 quilómetros de estrada que se iniciará em Alghero, na Sardenha e terminará em Milão. Toda a Itália será percorrida como se de uma enorme festa nacional se tratasse e, muito provavelmente, é isso mesmo que irá suceder. As ilhas da Sardenha e da Sicília seráo contempladas com etapas. Depois, homenagens aos grandes ciclistas italianos de sempre: Ponte a Ema (terra de Gino Bartali), Castellania (Fausto Coppi), Oropa (Marco Pantani) ou Bérgamo (Felice Gimondi). Até uma etapa a passar junto ao vulcão Etna está prevista. “Quisemos organizar um ‘Giro’ que entrasse numa nova dimensão técnica. Algo de absolutamente novo”, comentou Mauro Vegni, director da prova.

UMA HISTÓRIA Foi no dia 13 de Maio de 1909, pelas 14h53, que tudo começou, na Piazza Loreto, em Milão. Superando muitas dificuldades financeiras, a “Gazzetta dello Sport” adiantou-se aos rivais do “Corriere della Sera” e organizou pela primeira vez uma prova velocipédica nacional. A Volta à Lombardia e o Milão-São Remo já não satisfaziam as suas ambições. E, assim, percorreram-se 2448 qulómetros divididos em oito etapas. O vencedor foi Luigi Ganna, um corredor de Varese que não voltou a ter grandes triunfos na carreira. 49 ciclistas completaram o circuito e Ganna recebeu um prémio de 5325 liras.

Seis anos mais tarde, já se tinha verificado a alteração das classificações – no início era por pontos e passou a ser por tempo -, o “Giro” parou. Entre 1915 e 1918, a I Grande Guerra não se compatibilizou com as bicicletas, tal como aconteceria entre 1941 e 1945, com o advento da II Guerra.

Ao longo das 99 edições da Volta a Itália, os episódios curiosos acumularam-se indefinidamente. Alfredo Binda, por exemplo, primeiro a vencer por cinco vezes (1925, 1927, 1928, 1929 e 1933), tornou-se demasiado voraz para o gosto dos organizadores. Em 1927, ganhou 12 das 17 etapas; em 1929 foi primeiro em oito etapas consecutivas. “O Homem de Ferro da Toscânia”, como era conhecido, foi convidado para trabalhar como jornalista na própria “Gazzetta dello Sport” e recebeu uma proposta curiosa: 22 mil liras para deixar de ganhar com tanta frequência. O jornal acusava-o de estar a dar cabo do “Giro”. Binda esteve-se nas tintas e continuou a ganhar até surgir outro mais forte: Gino Bartali, o “Ginettacio”, também multiplo vencedor da Volta a França.

A RIVALIDADE É precisamente a Volta a França que mete uma pedra no sapato dos organizadores da Volta a Itália. Ninguém consegue apagar o brilho que a prova francesa tem no calendário internacional. Talvez por isso, na apresentação da 100ª edição do “Giro”, Andrea Monti tenha escrito no seu editorial: “O ‘Tour’ que se cuide”. E Vicenzo Nibali, ciclista italiano da equipa da Astana, último vencedor da camisola rosa, também não deixou de acrescentar: “O ‘Giro’ tem de voltar a ter o mesmo nível do ‘Tour’”.

É esse o objectivo. Cem: palavra de ordem para uma viragem. Mais etapas, mais quilómetros, mais ciclistas, mais grandes nomes. E mais Itália: Cagliari, Cefalú, Messina, Reggio Calabria, Montefalco, Florença, Reggio Emilia, Bérgamo, Tirano, Pordenone, Monza… Por toda a península se irá disputar o novo troféu, chamado “Senza Fine”. E uma rivalidade italiana já está a ser lançada como uma reedição das velhas batalhas dos anos-40 e 50, entre Gino Bartali e Fausto Coppi que marcaram indelevelmente o desporto italiano e entraram no campo da lenda. Agora são os dois italianos da Astana, Vicenzo Nibali e Fabio Aru que andam a ser atirados para a arena. Se o primeiro já venceu o “Giro” por duas vezes, o outro foi segundo em 2015 e venceu a última edição da Volta a Espanha. Quem disse que a história não se repete? Não certamente os homens do jornal de páginas cor-de-rosa que prometem, para o próximo ano, a Volta a Itália mais espectacular de sempre. Tentando sair da sombra incomodativa do incomparável “Tour”.

As vitórias  dos grandes nomes 

Na lista dos vencedores do Giro, incluem-se grandes nomes da história do ciclismo. À frente de todos, o belga Eddy Merckx, vitorioso por cinco vezes (1968, 1970, 1972, 1973 e 1974), três delas consecutivas. Aliás, ninguém soma mais vitórias do que ele, embora Alfredo Binda e Fautos Coppi também tenham conseguido cinco. Gino Bartali tem três conquistas (1936, 1937 e 1946). Depois é escolher entre tantos corredores de classe: Fausto Coppi, Jacques Anquetil, Felice Gimondi, Michel Pollentier, Bernard Hinault, Miguel Indurain… Alberto contador venceu a Volta à Itália em 2011, mas foi-lhe detectado clenbuterol no organismo num controlo anti-doping e o título ser-lhe-ia retirado.