Islão, cristandade, democracia

Por estes dias em que os movimentos islamistas, depois de terem tido um papel central na oposição às autocracias do Magrebe, estão a ganhar as eleições – na Tunísia e agora no Egipto – levantam-se dúvidas sobre a democraticidade destes movimentos.

as objecções externas traduzem uma expectativa negativa dos ocidentais em relação aos novos donos do poder. que são religiosos, patriotas, conservadores, coisa que incomoda o sentir dominante na europa unida.

o que está em questão e conflito são dois conceitos da democracia: como governo da maioria (a democracia de rousseau); ou como respeito pelos direitos individuais e das minorias (a tradição anglo-saxónica). que a maioria – porque o é – pode pôr em causa. é isso que se receia dos islamistas em tunes e no cairo.

quando se tratou de conter a urss ou de negociar e manter interesses económicos estratégicos ninguém, no ocidente democrático, se preocupou muito com estes conceitos no egipto, na tunísia, na líbia, onde a democracia não existia nem na modalidade maioritária nem na liberal.

quando se ouvem ou lêem estas discussões não se pode deixar de pensar que parte da hostilidade aos partidos islamistas, sobretudo nos círculos políticos liberais europeus, não deriva de qualquer expectativa real ou presumida de agressão ou perigosidade, mas do facto deles serem religiosos e das suas convicções religiosas influenciarem (muito) a vida e a política das sociedades que vierem a governar.

há, do lado de cá, um oitocentismo laico activo que não perdoa. o que é curioso é que, e uma vez mais se verifica, não faltam católicos, patriotas e conservadores que embarcam também nesta linha, olhando para o islão como um todo ameaçador.

e o que é o partido da justiça e do desenvolvimento de erdogan na turquia senão um partido islâmico? agora, depois do sucesso económico e da confiança eleitoral todos dizem moderado, mas quando ganhou não era considerado assim.

há problemas sérios como a perseguição que as minorias cristãs voltaram a sofrer. no iraque e no egipto, por exemplo: não são os estados, mas são bandos fanáticos que aproveitam a confusão das transições e alguma tolerância dos novos poderes para intimidar as minorias, às vezes destruindo-lhes casas e negócios, outras vezes matando-os. no iraque, desde a queda de saddam hussein foram atacados à bomba 54 templos da igreja católica caldeia e assassinados 905 cristãos. há agora no país 500.000 cristãos. eram mais de um milhão há dez anos.

a polémica entre estes cristãos médio-orientais sobre qual o melhor regime para manterem a liberdade de culto em segurança está acesa e repercute-se também no líbano (onde os cristãos são fortes e estão armados) e na síria.

mas o mais importante será o que acontecer no egipto. segundo as primeiras indicações eleitorais os islamistas ‘moderados’ do partido da liberdade e da justiça tiveram 36,6% dos sufrágios; os salafistas (islamistas ‘radicais’) 24,4%; os laicos do bloco egípcio 13,4%.

se os partidos assim representados no novo parlamento falharem uma coligação maioritária estável (que só pode ser islamistas moderados com islamistas radicais), os militares poderão (ou terão de) continuar a jogar o papel de poder arbitral ou moderador, que sempre pretenderam guardar.

sendo o egipto o mais importante daqueles países muçulmanos onde a liderança política está em aberto, será bom seguir a sua evolução. também no que respeita às relações com a minoria cristã copta (cerca de 10% dos 80 milhões de egípcios), que começou a sentir a hostilidade dos radicais. a defesa dos direitos desta e doutras minorias seria uma boa causa, na política da ue para a região, em vez de uma genérica preocupação com a subida dos partidos religiosos.