Jackpot americano. FIFA e a mania das grandezas

A FIFA não olha a meios para atingir os seus fins. Quis organizar um mundial de clubes à escala planetária e vai distribuir milhões de euros entre 32 participantes. Benfica e FC Porto estão na elite do futebol mundial e, só por isso, vão receber no mínimo 50 milhões de euros

O Mundial de clubes vai ter um formato alargado e será disputado a cada quatro anos. A edição de 2025 realiza-se nos Estados Unidos, entre 15 de junho e 13 de julho, e será um bom ensaio para o Mundial de seleções que terá organização conjunta dos EUA, Canadá e México. Se o princípio for seguido para outros mundiais, isso significa que Portugal, Espanha ou Marrocos poderão organizar o Mundial de clubes de 2029.

A 21.ª edição do Mundial de clubes vai deixar de ter apenas os campeões das diferentes confederações da FIFA e o campeão nacional do país anfitrião e passa a ter 32 equipas, que são apuradas seguindo critérios desportivos das últimas quatro temporadas (2021-2024). Portugal vai estar representado pelo Benfica e pelo FC Porto por via do ranking europeu. De notar que foi a vitória dos azuis e brancos sobre o Shakhtar Donetsk, no Dragão, que garantiu aos encarnados os pontos suficientes para entrarem na prova. É igualmente curioso verificar que o nosso país vai ter o mesmo número de clubes de Inglaterra e, eventualmente, Alemanha, Itália e Espanha – isto acontece numa altura em que Portugal tem vindo a descer no ranking da UEFA e foi ultrapassado pela França, que só tem o PSG, e Países Baixos, que precisam que o PSV vença a Liga dos Campeões para estarem representados na maior prova de clubes do mundo. Este contraciclo só é possível graças às boas performances europeias de FC Porto e Benfica nos últimos anos.

O Mundial de 2025 vai juntar os principais clubes das seis confederações que integram a FIFA: UEFA (12 equipas da Europa), CONMEBOL (seis equipas da América do Sul), CONCACAF (quatro equipas da América do Norte, Central e Caraíbas), CAF (quatro equipas de África), AFC (quatro equipas da Ásia) e OFC (uma equipa da Oceânia), mais os Estados Unidos, país organizador. Neste momento, há 23 equipas apuradas, falta conhecer quatro do continente europeu (o vencedor da Liga dos Campeões 2023/24 e os clubes que ficarem na 6.ª, 7.ª e 8.ª posição no ranking UEFA), e um da CONCACAF, CONMBOL, CAF e AFC. 

O facto de a FIFA só admitir dois clubes por país, exceto se um terceiro clube vencer a principal competição da sua confederação no período 2021-2024, afasta grandes equipas europeias, como o Liverpool (embora seja quinto classificado no ranking da UEFA, ficou de fora porque o Chelsea e o Manchester City venceram a Liga dos Campeões), Manchester United, Milan (sete vezes vencedor da Taça dos Campeões Europeus/Liga dos Campeões), Ajax e Borussia Dortmund, ao passo que Juventus e Nápoles lutam por um lugar na Itália e o Barcelona e o Atlético de Madrid fazem o mesmo em Espanha. 

Milhões a rolar 

Para convencer os clubes europeus a disputarem um Mundial durante quase um mês no período de pré-temporada, a FIFA abriu os cordões à bolsa. Houve um enorme boost no plano financeiro e o valor dos prémios aumentou de forma significativa por comparação com o Mundial anterior. O orçamento total da prova é de 2,5 mil milhões de euros e o prémio de participação é de 50 milhões de euros, um valor bastante interessante mesmo para os clubes mais ricos da Europa. As vitórias nos jogos são premiadas e o campeão do mundo vai receber um chorudo cheque de 100 milhões de euros, valor bem diferente dos 4,5 milhões de euros que o Manchester City recebeu por ser o atual campeão do mundo. Os valores exatos só serão divulgados depois de a FIFA fechar os acordos comerciais com patrocinadores e detentores dos direitos de televisão.

A competição segue o formato do Mundial de seleções, com a exceção de que não haverá jogo de atribuição do terceiro lugar. Os clubes são divididos em oito grupos de quatro equipas, os dois primeiros de cada grupo passam aos oitavos de final. A partir daí, entra-se na fase a eliminar até à final. 

O calendário não está definido, mas a ideia é que os clubes tenham pelo menos três dias de intervalo entre jogos, o que, mesmo assim, não evita a crítica de Maheta Molango, diretor do sindicato internacional de jogadores FIFPRO, que considera “a decisão de adicionar este torneio a um calendário já saturado é uma falta de consideração pela saúde mental e física dos jogadores participantes, bem como desrespeito pelas suas vidas pessoais e familiares”. 

A liga espanhola também se manifestou contra a realização do Mundial de clubes e avançou com uma denúncia para o Tribunal Arbitral do Desporto, pois considera que “estas decisões tomadas de forma unilateral e sem aviso prévio sobre o calendário, com a adição de novos torneios internacionais, danificam de forma irreversível todo o ecossistema do futebol”. 

O calendário fica, na verdade, sobrecarregado, com a maioria dos jogadores europeus e não só a terem de disputar três grandes competições em cada período de três anos: Campeonato do Mundo de clubes (2025), Campeonato do Mundo seleções (2026) e Campeonato da Europa de seleções (2028). 

Com o Mundial alargado, os jogadores vão pagar um preço bem alto e podem ter de fazer mais de 80 jogos (clube e seleção) numa só época e com menos de um mês de férias. Há quem diga que o excesso de futebol não mata o desporto, mas o excesso de jogos pode matar o jogador. Além disso, o excesso de jogos e o pouco tempo de descanso pode fazer baixar a qualidade do espetáculo, porque os jogadores, simplesmente, não estão a 100% ou estão lesionados. 

Bernardo Silva, o jogador mais criativo do Manchester City, confirmou isso mesmo: “Com o número de jogos que temos de fazer torna-se difícil estar em forma o tempo todo e ter o nível de energia para jogar bem”. O relatório da Howden, empresa de seguros inglesa, vai no mesmo sentido, ao revelar que, na temporada 2021/22, as lesões aumentaram 20% nas cinco principais ligas e custaram aos clubes um total de 610 milhões de euros. O alerta está feito