Liberal? Sim, claro!

Nos últimos meses, para classificar Passos Coelho, tem-se usado muito a palavra ‘neoliberal’.

não sei bem o que é hoje um neoliberal.

sei que há pessoas com um pensamento mais liberal e outras que acreditam mais no estado.

e, não havendo ‘liberais puros’ nem ‘estatistas puros’ (não há ninguém que hoje defenda a liberalização ou a estatização a 100%), há diferenças de mentalidade entre uns e outros que não são de desprezar.

os ‘liberais’ querem facilitar a vida às empresas, considerando que são elas que dão emprego e criam riqueza; os ‘estatistas’ defendem que ao estado também compete um importante papel na vida económica.

os ‘liberais’ acham que o estado tem de ser ligeiro para não asfixiar a economia; os ‘estatistas’ acham que tem de ser forte para poder ser um bom regulador.

os ‘liberais’ defendem que deve haver menos impostos, porque cada cêntimo que vai para o estado é um cêntimo retirado à economia; os ‘estatistas’ são adeptos de mais impostos, considerando que o estado deve ter mais dinheiro para poder fazer obra social.

e assim sucessivamente.

há dez anos começo as minhas aulas na universidade católica colocando a seguinte pergunta: ‘por que razão portugal é um país atrasado?’.

e a resposta começa pela seguinte constatação: porque a sociedade civil nunca se autonomizou em relação ao poder do estado.

porque nunca se formou em portugal uma burguesia empreendedora e com vida própria.

no momento em que nos países hoje desenvolvidos se afirmava uma burguesia com iniciativa, autónoma, independente, em portugal a incipiente burguesia viveu sempre enfeudada ao estado central.

nunca se libertou dele.

e este foi o nosso fado até hoje.

a dependência do país em relação ao estado tem sempre estado na base do nosso atraso.

só que, se essa situação foi até agora possível – embora com as consequências conhecidas –, a partir de agora deixou de ser suportável.

por duas razões principais.

primeira: porque uma excessiva concentração de poder nas mãos do estado não é compatível com o nosso sistema de partidos.

os partidos tendem a usar a máquina do estado e as empresas públicas como coutada sua, o que produz grandes traumas sempre que o poder político muda de mãos.

ora isto só se resolve aligeirando o estado e dando mais força à sociedade civil.

segunda razão: porque num mercado aberto, e na era da globalização, a viabilização da economia passa pela existência de uma classe empresarial autónoma e empreendedora.

uma economia aberta não é compatível com uma cultura estatizante.

noutro plano (e noutra escala) os chineses entenderam isto muito bem quando inventaram a fórmula ‘um país, dois sistemas’.

eles perceberam que, num mundo global, sem iniciativa privada forte nenhuma economia pode desenvolver-se.

quando alguns socialistas dizem que o psd de passos coelho tem uma matriz liberal «que não está na tradição portuguesa», estão cheios de razão.

só que, sem quebrarmos essa tradição, não vamos a lado nenhum.

até hoje, sempre que em portugal se começou a formar um embrião de classe empresarial com alguma autonomia, veio uma crise ou uma revolução que lhe cortou as pernas.

agora não há opção: o país precisa de um choque liberal.

seja ele qual for, valerá sempre a pena: será uma lufada de ar fresco, uma machadada no poder centralista, um golpe no triste fado que tem sido o nosso.

sem um choque liberal, a nossa economia não terá qualquer futuro.