Mãe a quem foram retirados 7 filhos não tinha apoios do Estado

O Tribunal de Sintra aplicou a sete dos dez filhos de Liliana Melo a medida mais extrema prevista nos processos de protecção de menores: a retirada das crianças para serem dadas para adopção. A pobreza em que viviam foi um dos motivo invocados, mas a imigrante cabo-verdiana não recebia nenhum apoio além dos 175 euros…

«temos dificuldades. e não vou dizer que dava bifes aos meus filhos todos os dias, mas eles nunca passaram fome. se não tenho donuts para lhes dar, dou-lhes pão com manteiga. mas eu vim de áfrica e lá precisamos de muito pouco para ser felizes. o que os meus filhos precisam é de amor de mãe», diz liliana, que ficou revoltada ao consultar o processo. «dizem que nós mudámos de casa muitas vezes, mas não explicam que houve melhorias».

liliana melo e os filhos estavam há seis meses num apartamento na tapada das mercês, em sintra, quando foi lida a sentença. mas liliana queixa-se de que as técnicas «nunca visitaram esta casa» para comprovar a situação actual da família.

foi em 2007 que as técnicas da segurança social bateram pela primeira vez à porta da família melo. na altura, a mãe (hoje com 34 anos) tinha três filhos e foi uma denúncia à comissão de protecção de menores que desencadeou o processo. «a minha filha tinha cinco anos e faltou à pré-primária durante um mês porque teve um corte numa perna. não achei que era grave, pois avisei a professora».

nas visitas seguintes, as técnicas relataram vários problemas. à medida que a família foi crescendo, as mais velhas foram começando a ajudar a tratar dos irmãos mais novos, chegando a faltar às aulas ou a chegar atrasadas à escola. e a casa onde a família vivia não tinha as melhores condições. nos relatórios, fala-se em lixo, falta de cuidados de limpeza, com colchões a cheirar a urina, e roupa espalhada pelo apartamento – onde a água e a luz tinham sido cortadas por falta de pagamento.

«foi uma altura complicada», admite liliana, explicando que nesse momento esteve separada do pai dos filhos. os problemas entre o casal resolveram-se e a família mudou-se para uma casa melhor. mas o facto de liliana, cabo-verdiana, e o marido, guineense, estarem ilegais no país não ajudou.

por causa dos filhos e das gravidezes sucessivas, liliana passou a ter apenas trabalhos esporádicos como camareira num hotel. o marido – muçulmano, casado com outras duas mulheres, uma na guiné e outra na amadora – foi obrigado a sustentar a família com trabalhos como tradutor da mesquita de lisboa e alguns biscates nas obras. rendimento certo só o abono de família.

como a lei não exige que os pais tenham advogado nos processos de protecção de menores, liliana passou por tudo sem aconselhamento. e só percebeu que podia ficar sem os filhos para sempre no dia da leitura da sentença. «nem sabia ao que ia. ligaram-me só a dizer que tinha de ir ao tribunal».

recurso perdido por 24 horas

depois de ouvir 46 páginas de sentença, tentou obter cópia do documento para levar a um advogado, mas era sexta-feira, passava das 16 horas e a secretaria estava fechada. acabou por só ter acesso à decisão na segunda-feira seguinte. o pormenor foi fatal: «quando a advogada entregou o recurso, o prazo tinha acabado há 24 horas».

perdido o recurso no tribunal da relação, as advogadas paula penha gonçalves e maria clotilde almeida – que se ofereceram para patrocionar o caso gratuitamente – recorreram para o tribunal constitucional.

«há várias ilegalidades no processo. só queremos que haja um julgamento justo», diz paula penha gonçalves, que afirma ter sérias dúvidas acerca da constitucionalidade de exigir a uma mulher que laqueie as trompas – uma das medidas propostas no acordo de promoção e protecção de menores cujo incumprimento ajudou a fundamentar a decisão de dar as crianças para adopção.

«é algo que mexe na esfera íntima da pessoa», alega, lembrando que liliana melo nunca recebeu a notificação do ministério público, onde se dava conta da intenção de dar alguns dos seus filhos para a adopção. por isso, não pôde preparar uma defesa e apresentar testemunhas.

outro problema é a proporcionalidade da medida aplicada e que implica que, mesmo quando forem maiores, os filhos não possam saber quem são os pais. «a medida que me aplicaram foi a mesma que aplicam aos pedófilos», indigna-se a mãe.

se o recurso para o constitucional falhar, resta o tribunal europeu dos direitos do homem. mas liliana tem pressa de voltar a ter os filhos. «li no jornal que deram 32 mil euros a uns pais a quem o estado tirou os filhos. mas isso para mim seria como os vender. só os quero de volta para voltar para o meu país», frisa, enquanto recorda a última vez que os viu. «nunca tinha visto tanta polícia junta. levaram-me a minha filha bebé e nem perguntaram o que é que ela comia ou que vacinas tinha». no meio da confusão, um dos rapazes, com sete anos, escapou ao mandato. «estava na escola e a polícia não o levou. nunca mais o vieram buscar. mas ele agora não está comigo».

ainda esta semana, liliana recebeu do centro de saúde um telefonema para saber por que motivo não voltara a levar a filha, hoje com um ano, às consultas. «nem sequer os tinham notificado de que me tiraram os filhos». a voz embarga-se quando fala nos pesadelos que lhe assolam as noites. «de cada vez que fecho os olhos, revivo tudo». nem ela nem as filhas tiveram apoio psicológico. «nem sei como ainda estou viva», diz. aliás, as duas filhas que estão consigo não voltaram a receber a visita da segurança social. «se estão em risco, por que é que não vêm cá ver se estão bem?».

comissão diz que agiu «de forma adequada»

contactada pelo sol, a coordenadora da equipa de crianças e jovens (ecj) de sintra não quis prestar esclarecimentos. e armando leandro, presidente da comissão nacional de protecção de menores, disse apenas que «a comissão agiu de forma adequada», escusando-se a comentar a decisão do tribunal. «como magistrado, não posso comentar uma sentença», explicou.

apesar das tentativas do sol, não foi possível obter respostas da segurança social.

margarida.davim@sol.pt