Motas. Álcool, velocidade e falta de experiência podem ser fatais

Aumento de acidentes de mota foi o fator que mais contribuiu para o balanço negativo do ano rodoviário. GNR diz que a maioria das ocorrências são com motas de grande cilindrada. Associação de Escolas de Condução defende mudança nos exames.

O aumento dos acidentes de mota marca 2017 pela negativa. Ainda não há dados finais mas, pelos disponibilizados até ao momento, o número de feridos foi o maior dos últimos dez anos e o de mortos superior aos dos últimos cinco. Vários fatores poderão explicar o aumento dos números de sinistros com motas, entre os quais o bom tempo, a persistência de comportamentos de risco como o consumo de álcool e drogas e o excesso de velocidade. E outros não tão discutidos. 

O i foi tentar perceber os motivos para o aumento da sinistralidade com as motas e falou com profissionais do setor. Apontam várias causas, desde logo o excesso de velocidade e o não respeito pelo Código da Estrada e pelas novas regras de circulação, mas também a lei de 2009, que permitiu a encartados de veículos ligeiros conduzirem motas até 125 de cilindrada. A pouca chuva deste ano e maiores engarrafamentos, que incentivaram a uma maior utilização de motas, podem ser outras explicações.

Números que assustam

Entre janeiro e outubro de 2017 houve um total de 7619 pessoas vítimas de acidentes com motas. Destas, 110 perderam a vida, sendo este o número mais alto registado nos últimos cinco anos. Houve ainda 509 feridos graves, um recorde dos últimos dez anos de acordo com os dados do relatório de sinistralidade da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária referente a outubro. 

Desde 2011, quando morreram 115 pessoas em acidentes de mota, que o número de vítimas mortais vinha a diminuir gradualmente, culminando em 69 mortos em 2016. Em termos de feridos, graves e ligeiros, os números apontam para uma realidade ainda mais preocupante: entre 2008 e 2016, o número de feridos oscilou entre os 5400 e os 6400, mas em 2017 atingiu-se o patamar dos 7509 feridos, isto sem contar ainda com os dados dos últimos dois meses do ano, que ainda não foram divulgados. Este aumento deveu-se sobretudo à subida dos feridos ligeiros, que foram sete mil em 2017. 
 
Alguns dos possíveis fatores

José Patacho, instrutor de condução na Neuropa, em Lisboa, defende que as principais razões são a lei de 2009, as novas regras de circulação, por exemplo, nas rotundas. “Muitos condutores que não têm carta de motociclos conduzem apenas com a carta de ligeiro, que permite conduzir motociclos até 125 cilindradas”, explica José Patacho, que acredita que o congestionamento no trânsito tem levado muitos condutores a optarem por este veículo. O problema é a falta de formação. “Nunca fizeram qualquer prova teórica ou prática de motociclos”, diz o instrutor, para quem a falta de experiência destes novos motociclistas é um fator a ter em conta na análise da sinistralidade. 

Opinião diferente tem Alfino Cruz, presidente da direção da Associação Nacional de Escolas de Condução, que defende que “a maioria dos acidentes de mota são com motas com maiores cilindradas, que não abrangem esse tipo de condutores”. Também o major Paulo Gomes, chefe da Divisão de Trânsito e Segurança Rodoviária da GNR, considera que a alteração à lei não tem uma ligação significativa com o aumento dos sinistros com motas. “Dos acidentes com vítimas mortais com veículos a duas rodas com motor, a maior parte são de motociclos com cilindrada superior a 125”, disse ao i. De acordo com os dados provisórios recolhidos pela GNR, que regista acidentes fora das grandes cidades, dos sinistros com veículos de duas rodas que causaram mortes, 31 ocorreram com ciclomotores, um com motociclos inferiores ou iguais a 125 de cilindrada e 58 com motociclos com cilindrada superior a 125. 

Novos exames

Alfino Cruz acredita que o elevado consumo de álcool e drogas deve ser outro fator a ter em conta, mas defende que a formação dos motociclistas devia sofrer alterações. “Em relação aos exames de mota, a preparação teórica e prática que têm é fraca”, diz o responsável da Associação Nacional de Escolas de Condução. “Temos um sistema de exames que não existe em mais nenhum país da União Europeia, que data de 1998”, assegura, dando a metodologia de avaliação em vigor na Suécia como um exemplo a seguir. “Na Suécia está calculado que, por 100 mil habitantes, morrem três pessoas, e em Portugal morrem pelo menos 11. Eles têm um exame completamente diferente do nosso. Baseiam-se mais numa aprendizagem de casos concretos de condução do que em teoria e aulas práticas-padrão.” 

Se a formação pode ajudar, para José Patacho também há trabalho a fazer com os restantes condutores, que muitas vezes não cedem passagem aos motociclistas nem estão atentos. “São fatores que, no meu entender, contribuem para o aumento significativo da sinistralidade”, argumenta o instrutor.

O bom tempo e uma maior procura por motas, até para responder às dificuldades de estacionamento nas cidades, são outros fatores que poderão explicar a trajetória de acidentes em 2017, pelo menos na visão do presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, elencou em entrevista ao i José Miguel Trigoso. O debate promete vir à tona durante este ano. A sinistralidade elevada com motociclos tem sido uma das preocupações das autoridades. No Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária (PENSE) 2020, da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, pode ler-se que “os veículos de duas rodas a motor e, mais notavelmente, os motociclos são aqueles que apresentaram, ao longo do período, os indicadores de risco mais gravosos”. Entre as medidas que a instituição se compromete a desenvolver até 2020 encontram-se o estudo do alargamento de equipamentos de segurança obrigatórios nos motociclos e ciclomotores, uma fiscalização mais intensa pela GNR e PSP e campanhas de sensibilização.