Norwich. Assassinos de alemães

De volta ao topo do futebol inglês, os Canários continuam a ser recordados por uma proeza fantástica no Olímpico de Munique

O regresso dos Canários: Norwich na Premier League mereceu que pelos ‘pubs’ da cidade se tivesse voltado a ouvir o cântico mais antigo da história do futebol: «Let all tonight then drink with me/To the football game we love/And wish it may successful be/As other games of old/And in one grand united toast/Join player, game and song/And fondly pledge your pride and toast/Success to the City club».

A cerveja, essa, terá corrido a rodos pelas gargantas enquanto se erguiam copos de ‘pint’ e se gritavam «hurrahs!». On the Ball City é reconhecido como uma espécie de lenda, ainda maior do que ‘We Never walk Alone’. Afinal, a música, composta em 1890, é ouvida em Carrow Road desde 1902.

Em Carrow Road e por toda a parte por onde os adeptos das camisolas amarelas e verdes se espalham acompanhando a sua equipa. «Kick it off, throw it in, have a little scrimmage/Keep it low, a splendid rush, bravo, win or die/On the ball, City, never mind the danger/Steady on, now’s your chance/Hurrah! We’ve scored a goal/City!, City!, City!».

«Win or die?». Se calhar Bill Shankly tinha razão: «O futebol não é um caso de vida ou de morte. É muito mais do que isso». O Norwich City nunca ganhou o campeonato de Inglaterra. Nem a Taça. Apenas duas vitórias (1962 e 1985) na Taça da Liga para exibir por entre triunfos nos escalões secundários e terciários. Mas tem um título que exibe, impante, e é respeitado por toda a Grande Ilha para lá da Mancha: foi a primeira equipa britânica a vencer o Bayern de Munique no velho Estádio Olímpico. E as lembranças passam um pano sobre o brilho dessa medalha, fazendo-a sobressair a cada momento em que há motivo para festas, tal como agora acontece.

Nesse querido mês de outubro

Jeremy Goss nasceu na ilha de Chipre em Maio de 1965. O pai cumpria serviço militar na base aérea de Dhekelia. Recordaria: «Não se tratava verdadeiramente de um jogo. Era uma burocracia. Nem os alemães nos davam a mínima importância. Não passávamos de um pequenino obstáculo que tinha surgido na sua frente».

Goss jogava no meio-campo. Mas tornou-se famoso pelos seus surpreendentes remates sem preparação que davam golos espectaculares. Começara a carreira no Norwich em 1983. Dez anos mais tarde estava no pináculo da vida do clube: terceiro classificado no final do campeonato. A melhorparticipação de sempre dos Canários garantiu-lhes a única presença da história nas taças europeias. Fantástico! «On the ball, City, never mind the danger/Steady on, now’s your chance!».O City não a desperdiçou.

Na primeira mão da inesquecível Taça UEFA de 1993-94, o Norwich despachou, em casa, os holandeses do Vitesse Arhnem por 3-0. O zero-a-zero da volta resolveu o problema com facilidade. Em seguida, o sorteio resolveu fazer negaças. E marcou-lhe encontro com o Bayern de Munique. Alan McInnaly, antigo internacional escocês, comentador televisivo, não foi de modas: «O Bayern vai marcar uns dez golos ao pobre Norwich. Que infelicidade terrível!».

Claro que defrontar gente como Matthäus, Mehmet Schöll, Wouters, Jorginho, Olaf Thon, Ziege ou Adolfo Valencia não provocava sensações de conforto a quem quer que fosse, mas ainda assim, a rapaziada do Norwich não estava pelos ajustes. Mike Walker, o treinador, afirmou: «Usaremos a arrogância deles como estímulo». No dia 19 de outubro de 1993, apresentou-se em Munique com um sistema de três centrais. Aos 12 minutos, um centro de Rob Newman apanhou Goss descaído sobre a direita: «Chutei de primeira. Foi doce como o mel!». Sobre a meia-hora, na sequência de um livre, foi a vez de Mark Bowen: 0-2. «This is frankly surreal!», exclamou em direto o ‘relatador’ da BBC. Os alemães reduziram aos 41 minutos por Nerlinger. E só. O Norwich entrava pela porta grande das façanhas dos clubes ingleses no continente. Em Carrow Road garantiram a passagem com 1-1. «And wish it may successful be/As other games of old!».