Outsourcing! Onde começa a eficácia e acaba o escrutínio?

Estaremos no limiar de encontrar uma resposta positiva e criativa para a concretização do sonho europeu do filósofo Steiner?

Quando George Steiner, em 2004, resolveu responder à questão de saber se a ‘Europa continua ou não a ser uma boa ideia’, e disso deu testemunho no seu pequeno livro Uma ideia de Europa, alertou-nos a todos para as consequências que o sonhado projeto europeu podia sofrer se os responsáveis políticos se afastassem dos seus valores essenciais e, nomeadamente, do dever de solidariedade.

Infelizmente, parece ter sido necessário a ocorrência de uma pandemia inesperada, para que a UE tenha decidido fazer mais uma prova de vida e iniciar um processo de transformação que assegure o seu desenvolvimento e a sua sustentabilidade.

Estaremos no limiar de encontrar uma resposta positiva e criativa para a concretização do sonho europeu do filósofo Steiner? Durante este ano de 2020, o ano do seu desaparecimento físico, teremos, seguramente, condições para perceber se a Europa foi capaz de respeitar o seu pensamento e honrar a sua memória.

Com efeito a resposta da União Europeia à crise, através das propostas apresentadas pelo BCE, pelo Eurogrupo, pelo PE e, em especial, pela Comissão, indicam que pode estar a iniciar-se uma nova abordagem do papel da política europeia no seu espaço natural e no mundo global.

Surpreendentemente, quase toda a análise das decisões europeias tem sido feita sobre os recursos financeiros destinados à reposição da estabilidade social perdida e á difícil recuperação económica que se seguirá.

São efetivamente recursos avultados que justificam análise e ponderação até porque a natureza inovadora e a complexidade de alguns dos veículos financeiros que os suportam exigem uma visão de conjunto e um juízo ponderado sobre a sua lógica e coerência.

Basicamente a fase de ‘controlo de danos’ é constituída por três redes de segurança: um instrumento de crédito, coordenado pelo Mecanismo Europeu de Estabilização num montante de 240 000 milhões de euros, que garante estabilidade nos mercados financeiros e assim impede a perigosa e injusta fragmentação desses mercados; a criação de um programa de apoio ao emprego (Sure), com um volume de 100000 milhões de euros, que ajuda a financiar operações de layoff e similares; e uma plataforma de apoio à recapitalização imediata das empresas, através do BEI, no montante de 250 000 milhões, indispensável para evitar a paralisação da atividade e a consequente perda de empregos.

Em paralelo o BCE mantém o seu programa de compra de dívida aos estados membros, acrescentado por um novo limite de 750 000 milhões de euros (programa de compras da emergência pandémica), enquanto a Comissão suspendeu, parcialmente, o pacto fiscal, facilitando o endividamento e tem vindo a ser mais flexível na aceitação de operações de ajudas de estado que, em condições normais, são genericamente proibidas e sancionadas.

Para a fase de recuperação, está definida a atribuição de 750 000 milhões de euros de apoio aos estados membros, podendo dois terços deste montante, serem distribuídos como subvenções (que a maioria qualifica como ‘a fundo perdido’), numa lógica semelhante à que orienta a distribuição dos atuais fundos estruturais, a que se adiciona a mobilização de boa parte dos recursos que integram o próximo MFF (quadro financeiro plurianual) num volume equivalente a 1 100 000 milhões de euros.

Todos estes valores, com exceção do MFF (distribuído por 7 anos) serão mobilizáveis nos próximos dois ou três anos.

É pois a grandeza destes apoios que justifica o grande interesse publico e de algum modo tem vindo a dificultar a compreensão da nova abordagem política da UE.

Com efeito, estão quebrados alguns tabus: não haverá uma mutualização da dívida e consequentemente uma transferência de recursos dos mais ricos para os mais pobres mas venceu, pelo menos para o futuro imediato, um certo sentimento de partilha comum e rompeu-se o espartilho dos recursos próprios, que apesar de, repetidamente discutidos e analisados, esbarravam sempre na demagogia da criação de novos impostos.

Mas, sobretudo, estão em vias de serem criados mecanismos imperativos e mais exigentes para a plena utilização dessas verbas, com o objetivo de impedir a captura do verdadeiro interesse europeu, por grupos ou setores de natureza exclusivamente privada. Esses mecanismos serão as verdadeiras condicionalidades dos apoios.

Um programa de recuperação, destinado a uma nova geração europeia que facilite uma transição justa para uma economia mais evoluída, mais sustentável, mais eficiente e menos dependente, é, agora, o verdadeiro compromisso da União que justifica o grande envolvimento financeiro já aprovado e que o Conselho não irá, certamente, pôr em causa.

A responsabilidade passa depois para os estados membros que através das suas instituições legitimadas, escrutinadas e sindicáveis e em sintonia plena com o interesse coletivo, devem apresentar propostas compatíveis com esses objetivos.

Outsourcing de tarefas, como aparentemente se quer praticar em Portugal, ainda que exercido ‘pro bono’ (não há almoços grátis!) não parece ser a solução mais eficiente e mais democrática. Voltaremos, decididamente, a este assunto.