Pássaros, passarinhos e passarões

Os corvos protetores que, segundo a lenda, acompanharam a nau que trasladou o corpo de São Vicente, padroeiro de Lisboa, de Sagres para a capital do reino no século XII, fazem parte da iconografia lisboeta. Os corvos e a nau.  Embelezam calçadas à portuguesa, candeeiros de ferro forjado, à antiga, grafitti da era moderna, enfim……

Os corvos protetores que, segundo a lenda, acompanharam a nau que trasladou o corpo de São Vicente, padroeiro de Lisboa, de Sagres para a capital do reino no século XII, fazem parte da iconografia lisboeta. Os corvos e a nau. 

Embelezam calçadas à portuguesa, candeeiros de ferro forjado, à antiga, grafitti da era moderna, enfim…

Os corvos já foram os pássaros da Lisboa antiga, da Madragoa ao Terreiro do Paço, de Alfama ao Bairro Alto. 

Já foram. Porque, na verdade, por ela nem terão andado muito.

Na verdade, na verdade, quem por ela já anda e há muito, e hão de continuar a andar, são os pombos que tomaram de assalto a Baixa Pombalina, da Praça do Comércio ao Rossio, do Martim Moniz aos Restauradores, passando pela Praça da Figueira, e depois as Avenidas Novas e tudo quanto é jardim da capital, das Amoreiras à Parada, de S. Pedro de Alcântara a Santos, dos Prazeres ao Campo Grande.

Foi num instante, tornou-se praga. Cresceram sem controlo. Há quem lhes chame ratos com asas ou ratos voadores, mas também não falta quem os alimente com pão e milho e a água não escasseia. Enfim…

De há anos para cá, porém, e não só em Lisboa como no Porto e tantas outras localidades do litoral, a redução dos barcos de pesca levou as gaivotas a entrarem cidades dentro em busca de comida. Elas também comem tudo. E vão ao lixo e aos ratos e até aos… pombos.

E Lisboa e Porto também passaram a conviver com as gaivotas, não menos nocivas que os pombos, porque aves também com fezes ácidas e igualmente corrosivas, capazes de arruinar vasto património, da pedra ao bronze e ao ferro. Não há fachada que lhes escape, nem beiral ou platibanda, estátua, floreira ou telheiro.

Além de que os pombos são também um perigo para a saúde pública, porque não só transmissores de doenças por via das fezes – como a criptococose e a histoplasmose -, mas também através das penas, de fungos e parasitas.

Sem estes problemas, mas com outros, Lisboa tem assistido nos últimos anos a um novo e aparentemente invulgar fenómeno, porque diferente e muito mais próprio de outras paragens, de clima tropical: trata-se dos papagaiozinhos verdes que na última década andam a ocupar os jardins da capital.

Não, não é só no Jardim da Estrela e no das Conchas, ao Lumiar. É também no Saldanha, no Campo Grande, na Cidade Universitária, no Parque Eduardo VII, nos Olivais (na foto) ou em Monsanto. Eles há os cada vez mais por todo o lado.

E não é só cá. Há várias cidades espanholas em que se regista o mesmo fenómeno. Ou, pelo menos, em que já há registos do mesmo fenómeno (de Madrid a Barcelona ou Málaga). O El Mundo fala mesmo em praga de dezenas de milhares de ‘caturritas’ na capital espanhola.

‘Googlando’, ficamos a saber que esta espécie de papagaiozinhos verdes e estridentes dão pelo nome de Psittacula krameri. São da família dos papagaios e dos periquitos (também se chamam periquitos-de-colar, periquitos-de-colar-rosa ou periquitos-rabo-de-junco), são oriundos das florestas da Ásia e de África e são a única espécie da família destas aves em liberdade na Europa.

Estes passarinhos não comem tudo como os outros pássaros, pombos e gaivotas, mas têm um problema: reproduzem-se às dezenas e tomam de assalto os lugares das aves locais. Em Madrid, por exemplo, chegam a sobrecarregar tanto as árvores que, pelo peso, fazem quebrar os seus ramos (a acreditar no El Mundo).

Deixando agora em paz estas aves, pelos vistos já nada raras, debrucemo-nos sobre as declarações desta semana de António Costa ao New York Times e sobre a grande entrevista de Mário Centeno ao Público.

Sobrevoaram ambos sobre as debilidades e riscos da economia nacional e das contas públicas, embora com músicas que parecem de pautas diferentes.

Se não, vejamos: para António Costa a sua ‘geringonça’ mostrou que «há uma alternativa à austeridade» – na citação do elogioso NYT.

Já para Centeno, «o objetivo é cumprir o défice» e, por isso, esqueçam lá os professores a reposição de anos, meses e dias que andam para aí a reivindicar porque o mais importante é garantir a «sustentabilidade» orçamental.

Ouvidos os parceiros da ‘geringonça’, reagindo, parece que os avisos do ministro das Finanças não são para levar a sério, porque o primeiro-ministro é que tem a palavra final e é com António Costa que Jerónimo de Sousa e Catarina Martins se entendem.

Pois é, mas Mário Centeno não é só ministro das Finanças. Também é presidente do Eurogrupo e está bastante mais gordo – Paulo Portas, que também engordou enquanto foi ministro e mais ainda como vice-primeiro-ministro, lá tinha razão quando, nos idos 90 do século passado, dizia que ‘o poder engorda’.

Pois engorda. E Centeno engordou e Costa emagreceu um bocadinho, embora se mantenha bem mais gordo que todos os outros. Já agora, Catarina que me perdoe a indelicadeza, mas já anda um poucochinho anafadinha a mais. Já Jerónimo de Sousa…

Enfim, não tarda muito e veremos o golpe de asa de Centeno e de Costa, que de pássaros ou de passarinhos não têm nada… e são daqueles que rapam tudo.