Procurador acusado de receber mais de 760 mil euros de vice angolano

DCIAP considera que Orlando Figueira aceitou acordo para arquivar processos de Manuel Vicente em troca de dinheiro a 4 de outubro de 2011. Defesa de governante angolano já reagiu. Afirma que a investigação cometeu uma violação séria da lei, que invalida o processo

Foi em Luanda, em 2011, que se terá começado a desenhar um esquema que visava o arquivamento de todos os inquéritos que corriam no Ministério Público português em que Manuel Vicente, vice-presidente de Angola, era investigado. É pelo menos isso que defende a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) conhecida ontem e que visa o antigo procurador Orlando Figueira, o governante angolano e o advogado Paulo Blanco. Segundo as procuradoras que conduziram a investigação o magistrado terá recebido luvas de mais de 760 mil euros.

Manuel Vicente foi acusado de um crime de corrupção ativa, um crime de branqueamento e um crime de falsificação de documento, já o ex-procurador do DCIAP foi acusado por corrupção passiva, branqueamento, violação de segredo de justiça e falsificação de documento. No âmbito da Operação Fizz foram ainda acusados Paulo Blanco e Armindo Pires, da confiança de Manuel Vicente.

A história não é difícil de entender e o início coincide com uma fase má da vida de Orlando Figueira, que teve nas suas mãos grande parte dos inquéritos que nos últimos anos envolviam a elite angolana: estava a passar por um processo de divórcio e, tal como todos os magistrados, tinha sido alvo de cortes salariais.

Segundo o Ministério Público, o advogado Paulo Blanco, que representava Manuel Vicente, acabou por se aproximar do magistrado tendo-o convidado a determinado momento para uma viagem a Luanda, com o objetivo de participar na semana da legalidade – chegou a 24 de abril de 2011.

Nesse encontro que visava a comemoração do 32.º aniversário da Procuradoria-Geral de Angola, o magistrado português, que viajou com o colega Vítor Magalhães e com o advogado Paulo Blanco, acabou por ter diversos encontros com políticos de topo de Luanda. A acusação refere ainda que nas diversas conversas que manteve expôs as suas fragilidades económicas, deixando claro que não se importaria de deixar Portugal para trabalhar no estrangeiro numa qualquer empresa.

O MP português considera que a viagem, que terminou a 2 de maio deixou sementes que acabaram por estar na base do alegado esquema. Isto porque, dizem as procuradoras Patrícia Barão e Inês Bonina, ainda no mês de maio de 2011 Orlando inquiriu Carlos Silva, presidente do Conselho de Administração do Banco Privado Atlântico, estando presente o advogado Paulo Blanco. Após as diligências, terão ido todos almoçar ao Hotel Ritz, onde Orlando deixou mais claro tudo o que já havia dito em Luanda. Ou seja, que não se importava de rumar a Angola, face às dificuldades por que passava desde os cortes salariais.

O DCIAP considera que após o almoço a informação rapidamente chegou aos ouvidos de Manuel Vicente, até dada a amizade antiga entre o governante angolano e Carlos Silva. Vicente à data era presidente da Sonangol e estava no Conselho Geral de Supervisão do Millenium BCP. Aliás, ambos exerciam cargos no banco por via do acionista Sonangol.

Nessa altura corria já no DCIAP um inquérito que visava o atual vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e outros dirigentes daquele país, suspeitos de crimes de corrupção e branqueamento. Os alegados crimes seriam praticados por intermédio de sociedades controladas pelos próprios.

Ainda no mesmo ano, em setembro, foi instaurado novo inquérito que visava Vicente, por suspeitas de branqueamento de capitais.

As investigações eram um receio para o então presidente da Sonangol e para o seu círculo mais próximo, refere a acusação do DCIAP, referindo que por essa altura Manuel Vicente estava prestes a entrar para o governo.

O acordo para arquivar

O Ministério Público considera que sendo conhecedor da insatisfação do magistrado português, Manuel Vicente (sempre por interposta pessoa) terá feito uma proposta ao procurador: em troca do arquivamento, Orlando teria uma colocação profissional e dinheiro que lhe permitisse ter uma vida desafogada. A investigação concluiu que após alguma reflexão, a proposta foi aceite. Mais precisamente, refere o despacho de acusação, a 4 de outubro de 2011.

Além de arquivar os processos, o procurador apagou as referências ao governante angolano. Num dos inquéritos que arquivou terá feito um despacho com o seguinte afirmação: “A investigação dos presentes autos já não abrangerá aquele suspeito Manuel Domingos Vicente”.

Orlando sai do DCIAP

Quando a 1 de setembro de 2012 foi concedida a licença sem vencimento a Orlando Figueira, este garantiu à então diretora do DCIAP, Cândida Almeida, que não iria trabalhar para angolanos contrariamenta ao que saíra nas notícias da época.

Mas o MP acredita que tudo o que daí para a frente se passou na vida do antigo magistrado envolvia a elite de Luanda. Orlando terá assinado um contrato como diretor jurídico da empresa em Angola, mas que nunca saíra de Portugal onde desempenhava funções de Compliance Advisor no Millenium BCP, mais tarde acabou por ser transferido para o Ativo Bank por haver suspeitas de fugas de informação. O MP acredita que apesar da gravidade das suspeitas que sobre si recaíam dentro do Millenium, só o acordo com Manuel Vicente justificam que não fosse afastado de todo do grupo. O capital do AtivoBank é detido pelo Millenium BCP.

No despacho de acusação lê-se ainda quem em 2015 o ex-procurador ter-se-á apercebido de que estava a ser investigado e decidiu ir ao portal das finanças declarar rendimentos que nunca tinha declarado e que a investigação acredita serem contrapartidas ilegais pelos arquivamentos.

 

Comunicado da PGR Em comunicado o Ministério Público lembra que Orlando Figueira, que ficou preso preventivamente no ano passado, “exerceu funções como magistrado entre setembro de 1990 e setembro de 2012”, quando passou a licença sem vencimento.

O procurador foi o responsável pelos processos BES Angola e Caso Banif, que estavam relacionados com capitais angolanos e que foram arquivados.

O advogado de Manuel Vicente fez saber ontem que à data dos factos era presidente da Sonangol e garantiu que o acusado “nada tem que ver com os factos do processo”. Lembrou também que “nunca foi sequer ouvido”. O que, no entender do advogado Rui Patrício, é uma “violação grave e séria e invalida o processo”, já que a audição dos arguidos é uma “obrigação processual fundamental”, argumenta.

Rui Patrício diz ainda que o vice-presidente angolano não foi notificado nem informado pelo Ministério Público da acusação. com A.P.