Sampha. A voz interior que o mundo quer ouvir com atenção

A sua voz ajudou uma geração de produtores ingleses a fazer ponte entre a eletrónica grave e a pop avançada. Gravou com Beyoncé, Kanye West, Drake e Solange, mas só este ano se afirmou a sós no álbum “Process”. Sábado, Sampha estreia-se em Portugal no NOS Primavera Sound 

Sampha Sisay, de 28 anos, esteve em risco de ser uma eterna esperança. Como aqueles futebolistas idolatrados nas camadas jovens que, por deslumbramento ou incapacidade de se adaptar ao mundo dos graúdos, se perdem e acabam a jogar na segunda divisão depois de múltiplos empréstimos a equipas a jogar direto do guarda-redes para o ponta-de-lança.

No princípio, era a voz de companhia de uma geração de arquitetos da nova eletrónica pop, mergulhadores da cultura bass de malha fina à procura do último pescado. Quando era preciso uma mulher para cantar, lá estava Jessie Ware. Nos homens, era quase sempre o escolhido. Releu “Basic Space” dos The xx e, através da influente editora Young Turks, acompanhou SBTRK, no primeiro álbum deste, um dos pilares no polimento de um som experimental, à espera de ser burilado. Aquando da estreia em Lisboa do produtor no NOS Alive, acompanhou-o em palco.

“Havia algo a acontecer nessa fase”, recorda e confirma. Era um período “de grande experimentação” em que “não sabia o que estava a acontecer”. Sentia-se “privilegiado”, contudo, por poder participar “numa boa fase da música eletrónica”, elogiando SBTRKT como cúmplice de aventuras – “foi muito importante ter trabalhado com ele” – e agradecendo a oportunidade de ter “começado a fazer dinheiro com a música”.

A voz de Sampha soltava-se e marcava território. “Estava a viver o sonho de fazer o que gosto e sempre sonhei”, lembra. Em 2013, recebe um email e o remetente era Drake, ainda a caminho de ser a figura pop mais popular da era do streaming – como comprovam as métricas dos últimos dois anos. O canadiano fora dos primeiros a encorajá-lo e queria agora usar um instrumental. “Foi uma surpresa”, reconhece. “O Drake é um artista gigante e queria comprar-me um instrumental!”. “Too Much” de Sampha foi apropriada e a quatro mãos e duas vozes gravaram ainda “The Motion”. As duas ouvem-se em “Nothing Was The Same”.

Por estes dias, circa 2013, Sampha era uma espécie de Marcus Rashford da pop inglesa, à espera de confirmar um talento validado por novos vultos da pop engrandecidos por um novo mainstream a caminho de se formar em rede.

Só que durante quatro anos, entre o EP “Dual”, e o álbum “Process”, deste ano, passaram quatro anos. Em 1998, tinha perdido o pai Joe, de cancro no pulmão. E em 2015, foi a mãe a morrer d’A doença do Séc. XXI, depois de um longo período de tratamentos e de uma fase de remissão. Sampha dedicou-se à família e o prometido longa-duração – necessário para pôr ordem na casa e confirmar expetativas – foi adiado. “Nunca pensei em desistir mas passei por momentos de grande frustração. Às vezes, estava em digressão. Outras a gravar. Não foi fácil”, admite. A música acabou por servir de terapia e quando lhe perguntamos sobre o papel de uma canção, não tem dúvidas que “pode mudar a disposição” quando a “carga espiritual” se sente.

Enquanto não conquistava um espaço próprio mais vasto, as solicitações não paravam de chegar. Deixou marca em “Mine” de Beyoncé, “Saint Pablo” de Kanye West, e “Don’t Touch My Hair”, de Solange, a irmã Knowles mais nova.

Quase sempre nomeado pela voz soul de grande profundidade, Sampha é mais do que isso. Em “Process”, álbum que viu enfim a luz do dia a 3 de Fevereiro deste ano, “toquei, produzi e compus”. E cantou, claro, mas as intenções estão para além do timbre angelical. “Quero fazer parte de todo o processo da música. Muitas vezes a história é mais importante que o autor”, assume.

A canção mais popular faz prova dessa marca autoral. Em “No One Knows Me Like The Piano”, confessa-se numa balada confessional e de grande intimidade. “É uma canção honesta. E um auto-retrato, sim. Muitas pessoas se têm relacionado com ela e partilhado com os amigos. Consigo perceber porquê. Fala de emoções universais”, interpreta.

Sampha não contém a escrita na primeira pessoa porque “a música é o meio favorito para me expressar”. Em palco, o privado faz-se público com três bateristas e uma musculatura inesperada. “Quero tentar tornar o concerto o mais real possível”, antecipa. Quando acabar (sábado no Palco Super Bock às 21h00), vai ficar a ver o mestre do disfarce Aphex Twin fechar a noite.