Sardinha. A rainha da festa: magra mas a preços altos

Meses de excelência para o consumo são a partir do final de julho, mas em plena época de Santos Populares assiste-se a uma verdadeira corrida às sardinhas. Consumidores queixam-se dos elevados preços, apesar de os pescadores apontarem para valores baixos vendidos nas lotas. 

Sardinha. A rainha da festa: magra mas a preços altos

É a rainha da festa por esta altura de Santos Populares – e até nos meses seguintes – mas o aumento do preço da sardinha tem sido alvo de queixa de muitos consumidores. Os preços variam consoante os populares arraias, mas há zonas de Lisboa que estão a pedir cinco euros por uma sardinha no pão. “Os preços variam conforme os locais mas já vi comerciantes a cobrar cinco euros por uma sardinha no pão e quatro euros por uma imperial. Percebo que é uma oportunidade de negócio, mas é um absurdo para o estado em que está o poder de compra nacional”, diz ao i um frequentador assíduo dos Santos Populares em Lisboa.

E o caso não é único. Há quem lamente os oito euros cobrados por um travessa de sardinhas, “que não tinha mais do que cinco”. 

Mas nem os preços altos afastam quem gosta de comemorar esta época do ano. Uma questão que ganha maior revelo quando comparado com os preços que são cobrados nas grandes superfícies, cujo valor varia entre os cinco euro e os 12 euros o quilo. 

No início de maio arrancou a pesca da sardinha, mas tal como vem sendo habitual é, nesta altura, que a procura é maior. O limite de captura é de mais de 37 mil toneladas que serão repartidas pelas várias embarcações. Ao mesmo tempo, foi estabelecido um conjunto de limites no que diz respeito à descarga e venda deste peixe, sendo que neles se pode incluir um máximo de 607,5 quilogramas (kg) – o que corresponde a 27 cabazes -, de sardinha calibrada como T4.

E, nesta altura, impera a a lei da oferta da procura. Os preços disparam, porque a procura é muito elevada, como reconhecem os pescadores nacionais. Em Peniche, nos últimos dias, a sardinha a preço graúdo chegava a 19 euros o quilo na lota.

Outro alerta diz respeito ao tamanho que é considerado pequeno mas, por outro lado, os pescadores garantem que este peixe não irá faltar nas festividades. E a explicação é simples: durante o mês de junho, a sardinha já é abundante, mas ainda está a engordar, já os meses de excelência para o consumo é no final de julho, agosto e início de setembro.

Também a secretária de Estado da Pesca afirmou que não vai faltar sardinha para os Santos Populares, pelo menos em quantidade: “A quantidade não é o problema. O problema é a falta de qualidade que tem existido”.

 

Preço dispara

Ao longo dos anos o preço da sardinha tem vindo a disparar e os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados no final de maio deste ano e referentes a 2022, dizem que nesse ano o preço médio anual do total de pescado fresco ou refrigerado descarregado em portos nacionais registou uma subida de 0,37 euros por quilo em relação a 2021, o que correspondeu a um aumento de 16,2%, passando de 2,28 euros o quilo para para 2,65 euros. Este aumento, explica o gabinete de estatística, “refletiu uma subida generalizada de preços no continente (+14,0%), na Região Autónoma dos Açores, (+28,0%) e na Região Autónoma da Madeira (+22,3%), consequência do menor volume de captura de peixes marinhos e moluscos, agravada em 2022 pela conjuntura da guerra da Ucrânia, que gerou um aumento acentuado dos custos de produção da atividade”.

No continente, detalha, a subida do preço ficou também a dever-se ao maior valor atingido pela grande maioria das espécies relevantes, quer de peixes (carapau, cavala, sardinha, biqueirão) quer de moluscos (polvo, choco, lulas, amêijoas e berbigão), comparativamente ao ano anterior. O aumento nas regiões autónomas foi sobretudo determinado pelos preços superiores atingidos por espécies com importância, nomeadamente os atuns e o carapau negrão, cujas capturas diminuíram de forma significativa, face a 2021. 

No que diz respeito a preços, nos peixes marinhos, o aumento de 10,4% do preço médio a nível nacional correspondeu a 2,02 euros por quilo. Espécies relevantes e comercialmente mais acessíveis viram o preço subir em 2022, caso da sardinha (+3,1%), cavala (+12,0%), carapau (+2,6%) e biqueirão (+84,0%), tendo ocorrido o mesmo em espécies mais valorizadas, caso dos atuns, cujo preço cresceu 14,8%, face a 2021.

Segundo os últimos dados da Portada, as sardinhas foram o peixe de mar mais pescado em 2022, ou seja, quase um quarto do total de peixe pescado nesse ano, num total de 101 mil toneladas. Mas, olhando apenas para a sardinha, foram pescadas, nesse ano um total de 24.311 toneladas de sardinhas. Um valor muito inferior ao que foi, por exemplo, pescado 20 anos antes: 63.732 toneladas. 

Segundo os dados do INE, o quilo da sardinha descarregada na lota era de 1,13 euros em 2021, mas subiu ligeiramente para 1,17 em 2022. 

 

Atividade em raio-x

De acordo com os últimos dados da Portada há cerca de 15 mil pescadores no nosso país, um número bastante inferior quando comparado com 1969 em que havia mais de 35 mil. O total de embarcações não chega a atingir a oito mil, quando em 2006 ultrapassava as 8700.

No início deste mês, a secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho, admitiu que há falta de pescadores em Portugal e que a solução encontrada pelo Governo – para ser implementada já a partir do próximo ano – é a criação de estágios remunerados. E revela que, apesar de haver muitas ações de formação profissional, só 43% dos formandos é que se mantém no setor, “o que é manifestamente insuficiente”, lamentou.

Por outro lado, a governante defende que a ideia passa por fixar trabalhadores migrantes, que possam ajudar a resolver o problema e que tenham interesse em ficar no país. “Temos um conjunto muito significativo de indonésios a trabalhar a bordo das embarcações, que têm resolvido o problema de muitas embarcações. Muitos deles querem vir com a família para Portugal e, portanto, precisamos de criar condições para que eles venham, fiquem e continuem a trabalhar nas nossas embarcações”.

Voltando a olhar para os dados do INE, as descargas de pescado efetuadas pelas embarcações aderentes às organizações de produtores de pesca (OP) tiveram como segmento mais representativo a pesca do cerco, mantendo-se a sardinha, a cavala e o carapau como as principais espécies em volume de pescado descarregado, contabilizando 99% da sardinha, 76,2% da cavala e 90,7% do carapau descarregados em portos nacionais no ano 2022.

E explica que o volume de descargas de pescado fresco ou refrigerado efetuado pelas OP do Continente em 2022 contabilizou cerca de 81 mil toneladas, um decréscimo de 14,0% face a 2021, tendência generalizada para as principais espécies capturadas: sardinha (-8,9%), cavala (-10,6%) e carapau (-3,7%).

E diz que, no caso da sardinha, foram capturadas 24.6311 toneladas, o que representa uma quebra de 8,9% em relação a 2021. 

 

Conservas como destino

A Associação Nacional dos Industriais das Conservas de Peixe (ANICP) tem vindo a admitir que, nos últimos anos, a indústria conserveira tem vindo a abastecer-se de sardinha importada para satisfazer as necessidades da produção. E, ao mesmo tempo, tem vindo a diversificar a sua produção com outras espécies em resposta a estas limitações. É o caso da cavala e, mais recentemente, do carapau. 

A ANICP garante que já trabalha com 16 espécies diferentes. Ainda assim, reconhece que é necessário continuar a cativar o público para este tipo de produtos alternativos, nomeadamente o caso do carapau.

Em abril deste ano, a ministra da Agricultura e do Mar, Maria do Céu Antunes tinha garantido existirem condições para o início da campanha que começou no mês passado e elogiou o setor, destacando que, durante uns anos, este teve de “pescar menos para dar capacidade” aos stocks biológicos “de se reporem e de atingirem o máximo de sustentabilidade”. “Estamos neste momento em condições de poder avançar de forma muito significativa, com uma quota maior para a pesca da sardinha”, acrescentou.

Nessa mesma altura, a secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho, defendeu a subida da quota de pesca de sardinha de 29.400 toneladas em 2022 para cerca de 37.000 toneladas em 2023. E a ministra disse que este aumento pode permitir gerar valor acrescentado em parceria com o setor conserveiro. “Estamos a fazer um trabalho (…) de articulação com o setor conserveiro para que haja um canal expedito para absorver esta sardinha que agora vai ser pescada em maior quantidade, e com base nisso podemos ter aqui um valor acrescentado, que é a transformação deste produto, que, como todos sabem, tem um potencial muito grande”, disse, remetendo para a importância da sardinha em conserva ao nível das exportações e do consumo.