‘Sindicalismo abandonou os desempregados’

Os protestos sociais irão conseguir alterar a política nacional, caso sejam persistentes e se liguem a outros povos europeus, defende um dos_mais influentes sociólogos a nível mundial, Boaventura Sousa Santos.

quais os impactos sociais da austeridade seguida pelo governo?
serão desastrosos por três razões: o ponto de partida é já muito difícil, pois somos o estado social da europa que menos transferências de dinheiro realiza dos mais ricos para os mais pobres e, como sabemos, desde os resgates aos bancos a situação inverteu-se e as transferências estão a ser dos rendimentos mais baixos para os rendimentos mais altos. o segundo factor é que não há qualquer possibilidade de a austeridade dar algum resultado positivo. só vai piorar a situação. terceiro, por esta razão, estas medidas terão de ser seguidas por outras. o processo de empobrecimento do país só agora começou.

os protestos sociais que se avizinham podem ter a capacidade de mudar o rumo da política nacional?
sim, se forem persistentes e massivos. e mais ainda se estiverem articulados com outros movimentos europeus, pois as transformações ou vêm da europa ou não vêm de lado nenhum. não temos líderes preparados (sobretudo no ps) para um movimento nacional de desobediência à troika, que acarrete sacrifícios, mas traga consigo a esperança de dias melhores.

espera novas manifestações nos próximos tempos?
sim.

a que se deve o ressurgimento de movimentos não dinamizados por partidos ou sindicatos?
a divisão histórica do sindicalismo (entre sindicatos pró-socialistas e sindicatos pró-comunistas) colocou o movimento operário na defensiva muito antes da segunda guerra mundial. além de obedecer a lógicas partidárias, privilegiou a acção colectiva institucional: greve, concertação. acresce que assumiu a defesa dos trabalhadores empregados e abandonou os desempregados ou não-empregáveis. estes factos mostram a dificuldade actual de se conectar com o movimento dos indignados.

mas foi anunciada uma greve geral pelas duas centrais sindicais. esta forma de protesto continua a ter a mesma relevância social de há décadas?
vai voltar a ter relevância na medida em que se souber articular com os outros movimentos de protesto e não continuar a pensar que a greve é a grande medida de protesto comparada com a qual as outras pouco valem.

portugal ainda não assistiu a protestos mais ‘duros’, como a grécia e itália, por exemplo. há essa possibilidade, no futuro?
as medidas só agora estão a chegar aos bolsos dos portugueses e as mais brutais estão para vir. quando chegarem logo veremos.

frederico.pinheiro@sol.pt

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