Sobrado. “Há dias em que as crianças não brincam na rua, porque o cheiro é horrível”

José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara de Valongo, foi ouvido ontem na Comissão do Ambiente e classificou o aterro de Sobrado como “um calvário”.

O presidente da Câmara Municipal de Valongo, José Manuel Ribeiro, foi ontem ouvido na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território e expôs os problemas que a população de Sobrado vive por causa do aterro situado próximo das habitações. O mau cheiro e propagação de insetos são os principais problemas que, segundo o autarca, criam um “impacto negativo”. “As crianças, na vila de Sobrado, há dias que não brincam na rua, porque o cheiro é tão horrível que elas preferem ficar dentro das salas”, explicou.

Durante a audição requerida pelo PSD, Bloco de Esquerda e PSP, José Manuel Ribeiro anunciou que está a decorrer, a seu pedido, uma análise ao processo de licenciamento do aterro de Sobrado. “Temos fortes indícios de violação do PDM (Plano Diretor Municipal)”, referiu. Sobre a questão do licenciamento, o autarca explicou que o aterro “é um exemplo de uma coisa que foi mal licenciada, que andou estes anos todos em clara ilegalidade”. Este pedido de licenciamento foi feito em 2007 para uma “central de triagem de resíduos de construção e demolição para a Retria e passado um mês e meio entrou um pedido de licenciamento de aterro de resíduos não perigosos”. Na altura, a licença foi aprovada, mesmo sendo uma instalação “em cima da povoação”.

Nos últimos tempos, quer a associação ambientalista Zero, quer a Quercus, têm denunciado a deposição de amianto em vários aterros sem que sejam cumpridas as devidas regras, tendo em conta que se trata de um resíduo perigoso. Um dos aterros alvo de queixas é o de Sobrado que, segundo José Manuel Ribeiro, “é um buraco negro”, uma vez que não é claro aquilo que lá se deposita. “Desafiei o senhor ministro (do Ambiente e da Ação Climática) a que esta circulação de resíduos fosse transparente para nós sabermos o que é enterrado”, avançou. No entanto, diz, “toda a gente fecha os olhos” à situação, uma vez que a comissão de acompanhamento criada no ano passado para fiscalizar o aterro em Sobrado “veio recomendar à empresa ‘olhe, cumpram lá a lei se faz favor’”.

Além do cheiro, dos insetos e do amianto que poderá ser misturado com resíduos orgânicos, foi ainda focada a questão das descargas feitas pela empresa que gere o aterro. Segundo o autarca, a empresa, “por 11 vezes contaminou a rede de saneamento”. “Esta mesma empresa tem um pedido à APA para descarregar na Ribeira do Vilar, que no verão não tem água”, acrescentou.

José Manuel Ribeiro pediu um debate à escala nacional e deixou a pergunta, tal como garantiu já ter feito à tutela: “Como se fecha um aterro mal licenciado?”. “Se houve uma violação do PDM, não podemos pôr a cabeça na areia”, acrescentou.

O deputado do CDS João Gonçalves Pereira pediu, no entanto, que o Parlamento ouvisse também a empresa Recivalongo. Perante a gravidade dos factos apresentados, o deputado referiu que a Comissão do Ambiente “devia fazer um esforço para ouvir esta mesma empresa”. “Não me parece bem que o Parlamento ouça o senhor presidente da Câmara, como está a fazer e muito bem, e não ouça a intervenção da própria empresa”, acrescentou.

Além do aterro em Sobrado, também o aterro da Azambuja e de Lousada têm sido alvo de denúncias, quer pelo cheiro, pela deposição de resíduos perigosos ou pela importação de lixo de países da União Europeia. Na última sexta-feira, em comunicado, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática informou que o aterro de Valongo – gerido pela Recivalongo – não recebe resíduos de outros países desde o início de maio. “Os resíduos importados dizem respeito a resíduos objeto de armazenamento e estabilização, não estando relacionados com resíduos urbanos recolhidos em período de pandemia”, referiu a tutela à Lusa.