Temas que fraturam

BE e PCP estão na mesma geringonça, mas são cada vez mais os temas que mostram as divisões à esquerda.

Não são de agora as divergências entre BE e PCP. Bloquistas e comunistas sempre tiveram posições diferentes, nomeadamente em matérias de costumes – das touradas à adopção gay, passando pelas barrigas de aluguer –, com o PCP a ser mais cauteloso e o BE a querer avançar mais nas causas fraturantes. Mas nesta legislatura o facto de fazerem parte da geringonça que apoia o Governo no Parlamento torna ainda mais evidente a distância entre as bancadas mais à esquerda no hemiciclo.

Vão-se somando as polémicas, mas nem BE nem PCP querem  falar sobre um relacionamento cada vez mais atribulado. Resta procurar os temas que os separam. Só nas últimas duas semanas foram três os assuntos onde as divisões entre bloquistas e comunistas tomaram proporções de polémica e mostraram que estar do mesmo lado da barricada governamental não significa concordar em tudo.

1 milhão de euros

Ficou evidente o mal-estar comunista com a pressa com que o BE reinvidicou o acordo alegadamente assinado com o Governo sobre um novo imposto para taxar património imobiliário global. Mas o que mais divide comunistas e bloquistas não tem que ver com os timings de comunicação ou sequer com o princípio de tributação. PCP e BE têm visões diferentes sobre o montante a partir do qual deverá ser aplicada uma sobretaxa ao património registado em nome de cada contribuinte.

O BE encontrou nos 500 mil euros um patamar suficientemente elevado para justificar uma tributação extraordinária, mas não tão alto que impeça qualquer receita. O raciocínio explica-se com os números apresentados por Mariana Mortágua: um imposto para taxar quem tem imóveis em valor superior a 500 mil euros atingiria 43 mil contribuintes, acima de um milhão seriam apenas oito mil a ser tributados.

O PCP tem outra visão e teme que sejam apanhados por este imposto contribuintes que herdaram propriedades e que dificilmente podem ser considerados ricos. É por isso que, para Jerónimo de Sousa, um milhão de euros «é um bom início de conversa» para começar a discutir o novo imposto.

Sigilo bancário

BE e PCP têm feito do combate à evasão fiscal uma bandeira. Mas, nesta luta, comunistas e bloquistas não estão de acordo com as armas que devem ser usadas. Por isso, Jerónimo de Sousa já deixou um aviso: está contra a lei do Governo que permite ao Fisco aceder aos dados bancários de contribuintes com saldos superiores a 50 mil euros.

«A devassa total não é acompanhada pelo PCP», avisou o secretário-geral do partido, defendendo um «equilíbrio» que respeite a privacidade dos cidadãos.

Uma posição diferente da de Catarina Martins, que apoia a lei do Governo. «O BE sempre defendeu que era importante acabar com o sigilo bancário para combater a fraude e a evasão fiscal, principalmente nos valores muito avultados», defende a líder do BE.

Glifosato

O nome é difícil de pronunciar e refere-se a um herbicida usado para matar ervas daninhas, mas saltou para o léxico político, com trocas de acusações de «sectarismo» entre PCP e BE.

«Se o BE recebeu ordens para propor a proibição do glifosato, não poderemos saber, mas que houve quem lucrasse milhões com propostas desse tipo, lá isso houve», escreveu o deputado do PCP Miguel Tiago, atacando a proposta do BE – chumbada pela direita e pelo PCP – de proibir o uso deste químico em meio urbano, alegando motivos de saúde pública.

«O sectarismo faz mal à saúde», dizia há meses o dirigente do BE Nelson Peralta para criticar o chumbo comunista à proposta bloquista, num texto no qual acusava o PCP de ter uma posição incoerente no Parlamento com a que teve em algumas autarquias.