UCI perdoou Froome. Os adeptos, não

A 105.ª edição do Tour começa este sábado e tem um claro favorito à vitória: Chris Froome, à procura de um lugar no panteão da competição. O mundo do ciclismo, todavia, continua a olhar para o britânico com desconfiança depois do controlo positivo na Vuelta: a história da asma está longe de convencer.

Tem este sábado início a 105.ª edição da Volta a França, a prova-rainha do calendário do ciclismo internacional. A ‘Grande Boucle’ arranca de Noirmoutier-en-I’Ile e termina no dia 29 nos Campos Elísios, em Paris, 3329 quilómetros e 21 etapas depois. E com uma alta probabilidade de ver repetida uma imagem já observada em quatro ocasiões: Chris Froome a subir ao lugar mais alto do pódio com a camisola amarela vestida.

Depois dos triunfos em 2013, 2015, 2016 e 2017, o ciclista britânico aposta forte em chegar à quinta vitória e assim igualar os feitos de Jacques Anquetil, Eddy Merckx, Bernard Hinault e Miguel Indurain, os únicos a consegui-lo – além de Lance Armstrong, que chegou às sete, apenas para ver a União Ciclista Internacional (UCI) retirar-lhos em agosto de 2012, após confessar ter corrido sob o uso de substâncias dopantes durante a maior parte da carreira.

Daí para cá, Froome deu o passo em frente e tomou o trono deixado vago pelo norte-americano. Agora, curiosamente, o próprio debate-se com dúvidas em relação à sua honestidade e transparência no que respeita ao mesmo assunto. E tudo devido ao controlo anti-doping positivo na 18.ª etapa da última Vuelta – que venceu – e que colocou a sua participação nesta Volta a França em risco.

Até ao início da última semana, quando a UCI anunciou a conclusão do inquérito que decorria sobre a conduta do ciclista britânico. Depois de consultar os peritos da Agência Mundial Antidopagem (AMA), a entidade que rege o ciclismo a nível mundial decidiu que o uso do broncodilatador salbutamol (Ventilan) não foi feito de forma irregular por Froome. O multi-campeão garantiu desde o início que o uso desta substância lhe havia sido recomendado pelos médicos para combater os problemas de asma, de que sofre desde criança mas que se agravaram na Vuelta em causa. No documento onde certifica o arquivamento do caso, a UCI lembra que «a lista proibida da AMA prevê que um atleta possa estabelecer que o seu resultado anormal foi consequência de um uso permitido e nesse caso não será considerado um AAF». «Sabemos que haverá uma discussão significativa sobre esta decisão, mas esta é suportada em opiniões de peritos, por conselhos da AMA e uma avaliação completa dos factos do caso. A UCI espera que o mundo do ciclismo possa agora focar-se e aproveitar as próximas corridas do calendário», concluía o organismo.

Assobios e apupos

Os argumentos apresentados pela UCI, todavia, não convenceram grande parte do universo do ciclismo mundial. E isso ficou bem visível na última quinta-feira, na apresentação da Sky, que ficou marcada pelos assobios e apupos a Chris Froome. Um cenário que levou a própria UCI a pedir aos adeptos para respeitar a sua decisão e garantir condições de segurança para o britânico. Questionado sobre o tema, o colombiano Nairo Quintana, da Movistar – um dos candidatos a acabar com o reinado de Froome –, considerou «desagradáveis» as assobiadelas… mas não fugiu a uma alfinetada ao rival. «Ser assobiado pelo público nunca é agradável, mas às vezes colhe-se o que se semeia», disparou, numa clara demonstração de que a decisão da UCI está longe de colher unanimidade no seio da comunidade.

Chris Froome, refira-se, esteve sempre longe de ser uma personagem carismática ou particularmente popular – nem sequer no seu país. Nas três primeiras ocasiões em que ganhou o Tour, nunca conseguiu ser mais do que sexto na votação para Personalidade Desportiva do Ano da BBC (em 2016, de resto, nem ficou nos 16 primeiros). No ano passado voltou a ouvir alguns apupos por parte do público e proclama até ter levado com cantis de urina na edição de 2015.

Alheio à animosidade do público, o ciclista nascido no Quénia (Nairobi) prometeu tudo fazer para voltar a conquistar o Tour, naquele que considera ser o «maior desafio» da carreira. No horizonte de Froome está ainda igualar o feito de Eddy Merckx, que entre 1972 e 1973 venceu quatro grandes voltas de forma consecutiva (Giro, Tour, Vuelta e Giro): o britânico conquistou Tour e Vuelta no ano passado e já este ano venceu o Giro. Os maiores obstáculos que encontrará na corrida pelo título serão Richie Porte (BMC Racing), Nairo Quintana e Mikel Landa (ambos da Movistar) e Vincenzo Nibali (Bahrein-Merida).