União a nível europeu aumenta pressão e faz Ryanair tremer

O último dia de greve dos tripulantes de cabine voltou a levantar sérias questões sobre as práticas laborais da companhia aérea. Sindicato deixa claro que ação global apenas não avança se a lei nacional for aplicada

A greve dos tripulantes de cabine da Ryanair que terminou ontem trouxe a certeza de que ou a companhia aplica a lei nacional aos trabalhadores das bases em Portugal ou a paralisação se torna generalizada. O dia de ontem ficou, aliás, muito marcado pela possibilidade de se “pegar no exemplo português para replicá-lo numa greve à escala europeia”. O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil contou com a presença dos sindicatos alemão, espanhol e italiano por ser um problema “transversal”. Os países podem mudar, mas as regras e condições de trabalho não.

A verdade é que este último dia de paralisação acabou por trazer para cima da mesa cenários bem diferentes daqueles que marcaram os anteriores dias de greve. Com a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), em campo, a investigar irregularidades relacionadas com o direito à greve dos tripulantes da Ryanair e sindicatos de outros países a ameaçar com uma greve a nível europeu, a companhia aérea viu-se forçada a garantir novamente que “a grande maioria dos nossos tripulantes de cabine em Portugal estão (esta quarta-feira, 4 de Abril) a trabalhar dentro da normalidade”.

Mas a verdade é que o dia foi tudo menos “normal”. A companhia teve de lidar com a forte adesão dos trabalhadores e ainda com as consequências de ter inspetores no terreno. De acordo com fonte próxima, “em Faro, por exemplo, um voo da tarde ia ser feito, mas foi cancelado depois de alguns trabalhadores estrangeiros terem sido apresentados à ACT”. Também no Porto há registo de 12 tripulantes retidos por inspetores. De acordo com o sindicato, alguns tripulantes receberam indicações para não saírem sequer dos aviões.

Até meio da tarde de ontem, a companhia irlandesa contava com sete voos cancelados no Porto, cinco em Faro e três em Lisboa. Números que não batiam certo com os avançados pela empresa: “Apenas oito de entre os primeiros voos do dia foram cancelados (de um total de 170 voos de/para Portugal)”.

Audição parlamentar Neste último dia de greve, a Ryanair não enfrentou apenas a questão dos cancelamentos e o descontentamento de centenas de passageiros que ficaram em terra. O dia ficou também marcado pela informação de que a Comissão Parlamentar de Economia aprovou, por unanimidade, um requerimento que visa a audição no Parlamento, com caráter de urgência, dos representantes da administração da Ryanair em Portugal. O requerimento, apresentado pelo Bloco de Esquerda, prevê que sejam ainda chamados representantes do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), responsáveis da ACT, ANAC e ANA-Aeroportos de Portugal. No rol de explicações pedidas estão as ameaças a trabalhadores em greve, os benefícios recebidos pela instalação de uma base a partir de Portugal e ainda que investimentos estão em curso no país. O PCP vai mais longe e quer ver a companhia aérea ficar sem os apoios públicos, diretos e indiretos, concedidos por diversas entidades.

Em resposta, a companhia voltou a minimizar as várias questões, falou de “ligeiras perturbações” e garantiu que os clientes afetados foram “recolocados em outros voos ao longo do dia ou voos extra” que serão operados hoje. A empresa fez ainda saber que foi feito “um grande esforço durante este período para manter os voos e, graças aos nossos tripulantes de cabine portugueses, que em grande parte ignoraram esta greve convocada por sindicatos de companhias aéreas concorrentes, estes esforços tiveram sucesso”.

União vai além de sindicatos O último dia de greve ficou ainda marcado pelo parecer da Associação Europeia dos Tripulantes de Cabine que condena expressamente o recurso a trabalhadores estrangeiros e a voluntários. Christoph Drescher, secretário-geral, explicou que “todos os tripulantes, nos nove países representados, estão solidários com os tripulantes portugueses”. Tudo isto permitiu ao sindicato aumentar a pressão e garantir que “estas ações vão continuar”: há “provas inequívocas da prática de ‘bullying’ e de assédio moral permanente”. Até porque existem cartas, enviadas à tripulação de várias bases, onde a empresa explica que recusar operar voos é visto “como transgressão grave”.

Passado polémico Em setembro do ano passado, a questão da legislação aplicada aos contratos de vários trabalhadores foi levada ao tribunal europeu. A Ryanair queria que fosse aplicada a lei irlandesa na disputa, mas perdeu a batalha. Em questão estava o facto de a companhia aérea de baixo custo querer resolver na Irlanda problemas com trabalhadores no aeroporto belga. A ideia da tripulação de cabine era que o caso fosse julgado num tribunal belga por achar que a lei seria mais favorável, mas a companhia entendeu que o melhor seria que o caso fosse julgado na Irlanda. De acordo com o tribunal, “aos litígios relacionados com contratos de trabalho, as regras europeias visam proteger a parte mais fraca”. E é aqui que se enquadra o facto de “as regras permitirem, entre outros aspetos, que os colaboradores recorram aos tribunais que considerem mais próximos dos seus interesses”. Os trabalhadores em questão tinham contratos de trabalho realizados de acordo com as leis irlandesas, já que eram feitos como se lá trabalhassem. No entanto, a base era o Aeroporto Charleroi, na Bélgica.

A questão da legislação aplicada e das más condições de trabalho tem ganho destaque ao longo dos últimos anos. Já em 2013, a companhia tinha sido condenada a pagar dez milhões de euros por violar leis laborais. Neste caso, a transportadora aérea enfrentava várias acusações pela sua operação em França. A esta condenação, que previa indemnizações e juros, juntava-se ainda uma multa de mais de 200 mil euros. Também aqui as acusações tinham que ver com o facto de registar os trabalhadores empregados em França como trabalhadores irlandeses, impedindo o funcionamento de plenários e acesso a sindicatos. Neste caso, a Ryanair tinha empregado mais de 120 pessoas sem aplicar a lei francesa.