Vela 6911: Requiem para o nuclear

Um teste nuclear secreto levou Victor Gama à Antárctida e a compor Vela 6911. Hoje na Gulbenkian.

a 22 de setembro de 1979, uma missão secreta levada a cabo pela marinha sul-africana não deixou de ser registada pelo satélite norte-americano vela 6911. tratava-se de uma detonação nuclear atmosférica (proibida por tratados internacionais) ao largo da antárctida e todos os envolvidos nessa missão foram sujeitos a um contrato de confidencialidade estrita, pelo que só muito recentemente estes factos vieram a lume.

a áfrica do sul, então única potência nuclear africana, só desmantelaria o seu programa nos dias de transição entre o apartheid e o regime democrático, no início dos anos 90.

victor gama, um compositor luso-angolano – conhecido também pela criação de instrumentos que associam materiais e técnicas ancestrais com tecnologia experimental – viu-se confrontado com esta longínqua data quando a orquestra sinfónica de chicago lhe encomendou uma obra para integrar o ciclo music now, que «envolve os intérpretes da orquestra e compositores com linguagens particulares».

sem nenhum tema pré-definido, victor gama pegou num diário escrito por lindsay rooke, uma oficial da marinha sul-africana que participou nestes testes nucleares. «é um registo pessoal, muito emocional, que relata a experiência dessa missão, com a qual esta oficial estava em conflito, por ao mesmo tempo estar a viver um enorme chamamento da natureza».

ao tentar investigar e perceber esta experiência (o diário de lindsay foi publicado pela investigadora stacey hardy em 2005), victor gama refez, há precisamente um ano, a viagem da oficial da marinha «tentando seguir a mesma rota, que não se sabe com precisão qual é, e com o diário dela na mão», como conta, refazendo as emoções de quem «ao olhar para um iceberg majestoso e ao perceber a fragilidade deste imenso ecossistema não pode deixar de ficar profundamente tocado».

victor gama recolheu imagens ao longo de todo o percurso e vela 6911 é uma peça multimedia, com projecção dessas imagens e com uma partitura ‘sugerida’ por essas duas missões:_a viagem traumática da oficial da marinha e a reconstituição nostálgica do compositor.

«a cada parte da peça corresponde momentos vividos por ela, terminando com a explosão atmosférica a que ela assistiu».

este domingo, às 19h, no palco do grande auditório da gulbenkian estarão oito instrumentos da orquestra e mais três criados pelo próprio compositor – toha, dino e acrux – para entregar ao público um diário sonoro e visual da antárctida ameaçada.

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