Verdade e castigo

Os culturistas, programa de conversa em torno da cultura estreado há um par de semanas no Canal Q, tinha tudo para não dar que falar.

o formato é tão pouco imaginativo – um tema por semana, com os três residentes a tecerem alguns comentários demasiado avulsos no início e uma segunda parte em que entra em cena um especialista na matéria em missão de evangelização – quanto pouco estimulante. até agora, fica a ideia de um programa feito em cima do joelho, com tempo insuficiente de reflexão para que o resultado se distinga do que sempre se foi fazendo dentro dos mesmos moldes.

mas logo na primeira emissão os culturistas foram falados. porque a abrigo do guarda-chuva temático do cinema português, o realizador joão botelho sentou-se na cadeira de convidado e não usou da habitual deferência para com os anfitriões, acusando-os de apenas reproduzirem clichés, ideias feitas e piadas fáceis sobre o assunto, preferindo a superficialidade e a graçola a qualquer ideia minimamente fundamentada. ou seja, levou o título do programa à letra e musculou a discussão. e até ao final não baixou as armas e prosseguiu num ataque à leviandade com que a opinião é proferida em televisão e é transformada em verdade incontestável quando chega ao sofá de quem assiste em casa. e nisto, botelho tem toda a razão.

a ideia reproduzida acriticamente por qualquer cidadão português sobre o cinema português (e particularmente de manoel de oliveira) de que dura sete horas num plano único e exibido em salas vazias foi, em grande parte, criada pelo humor (e particularmente de herman josé) e promovida a verdade de tanto ser repetida. ‘uma mentira repetida muitas vezes torna-se verdade’, costuma dizer-se. em televisão, torna-se verdade de uma forma quase irreversível. e especialmente castigadora.