Viriato, Dijsselbloem e nós

Hoje, o PPE pediu a saída de Dijsselbloem. Ah, doce Roma que não paga mesmo a traidores

Ando a ouvir a história desde miúdo. Os lusitanos, resistentes ibéricos a Roma liderados pelo ancestral Viriato, são berço de Portugal – ou, pelo menos, um deles.

O império romano, cioso de pôr termo à vida do rebelde, terá acordado com um par de companheiros de Viriato que o matassem a troco de dinheiro. Após o serviço, quando os assassinos buscaram o pagamento póstumo, a resposta foi: “Roma não paga a traidores”.

Há uma maioria de académicos que, sentidamente, vê o encontro entre Atenas e Jerusalém como génese do ocidentalismo europeu. A democracia dos gregos e o humanismo judaico-cristão como pilares que perduram até hoje.

Por aí, é também comum procurar semelhanças históricas a esse período fundacional, ainda que fugindo ao anacronismo.

Hoje, se a história não se repetiu, Portugal pode, pelo menos, reclamar um déjà vu.

É que Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo que insinuou que os países do sul gastam o seu dinheiro “em bebida e mulheres” para depois pedirem ajuda, foi dispensado pelos seus oficiosos patrões: o Partido Popular Europeu (PPE).

O maior grupo político da União Europeia, cujos interesses, segundo membros do próprio, alinham recorrentemente com a Alemanha, fez de Dijsselbloem o seu pau-mandado nas reuniões dos ministros das Finanças da zona-euro.

Dijsselbloem, que ao contrário do PPE se diz de centro-esquerda, executou imaculadamente a doutrina da austeridade virtuosa proferida por Wolfgang Schäuble, o ministro alemão que repetiu vezes sem conta: “não há alternativa”. Um artigo biográfico sobre Dijsselbloem publicado numa revista holandesa revela que o “socialista” tem uma devoção quase familiar a Schäuble.

Independentemente de qualquer afeto, Dijsselbloem falou de mais. Comparar Estados-membros da União Europeia a alcoólicos promíscuos não é algo a fazer em frente a um microfone.

Os partidos europeístas da Assembleia da República pediram a saída de Dijsselbloem, os eurodeputados dos países insultados idem, os Socialistas-Democratas europeus a que Dijsselbloem supostamente pertence retiraram-lhe a confiança política e o PPE pediu hoje a sua demissão de presidente do Eurogrupo.

Ah, doce Roma que não paga mesmo a traidores.

Roma, de monumental acaso a prodígio civilizacional, de república natural a natural império, de desassombro bélico a repetida divisão, sempre ficou nos pergaminhos com a imponência que lhe é reconhecida. Bruxelas? Em resumo, tem metade do interesse e o dobro da artificialidade. No entanto, assim como os romanos, está visto que não renumera traições; incluindo a essa coisa em tempos conhecida como solidariedade europeia.

A notícia menos feliz do afastamento do sr. Dijsselbloem é que o império contemporâneo, agora chamado Partido Popular Europeu, passará a ter o Conselho Europeu, a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e também o Eurogrupo sob sua alçada.

Avé, PPE, meus caros. Avé, PPE, e esta União tão plural e diversa.

 

P.S. – Parem lá de dizer que os portugueses precisam de ir ao Google para escrever o nome do senhor. Não somos burros. Nem traidores.