Waterloo – uma memória pessoal

Waterloo é uma daquelas batalhas míticas que a História, a literatura e a pintura se encarregaram de fixar na nossa memória e na nossa imaginação. Devia ter uns onze ou doze anos quando li um livro de Stefan Zweig, Grandes Momentos da História da Humanidade, tradução do original Sternstumden der Menscheit. O capítulo sobre Waterloo…

Nesse longínquo final dos anos cinquenta, como muitos da minha geração, devorava os livros de Zweig, um intelectual judeu do Império austro-húngaro, que, numa escrita elegante e sugestiva, biografara uma série de personagens: José Fouché, Maria Antonieta, Maria Stuart, Fernão de Magalhães, em edições da Livraria Civilização. 

A minha primeira impressão da grande batalha, que agora fez 200 anos, foi marcada por essa leitura, pela simpatia pelos vencidos e o seu heroísmo e pelo fascínio por Napoleão: o marechal Ney, no comando da cavalaria, que carregava várias vezes colina acima mas não conseguia vencer o quadrado inglês; Grouchy que não chegava e Blücher que determinava o destino da batalha. Os franceses insistiam mas os ingleses não cediam, durante todo aquele 18 de Junho chuvoso do longínquo ano de 1815.

Com o tempo, passamos a olhar estas coisas e estas batalhas de outro ângulo, pelo lado da estratégia e das razões da estratégia, dos grandes números, das grandes forças. Ora essas, há duzentos anos, apontavam para o inevitável fracasso final de Napoleão, ganhasse ou perdesse em Waterloo. O corso conseguira com as suas conquistas e correrias da Península à planície russas, de Lisboa a Moscovo, do reino de Itália ao Mar do Norte, virar contra ele os reis – e até os povos – do Continente. Envolvido ainda em Espanha, a húbris levara-o a invadir a Rússia com um grande exército, o maior de sempre.

Fora ali derrotado pelo tempo, pelo clima e por um general zarolho, Kutuzov, que decidira vencer os franceses, cansando-os sem lhes dar batalha. E os russos – os Citas, como dizia Napoleão – queimavam Moscovo para o expulsar.

Fora derrotado pela fúria dos Citas e pela falha da logística. Como na Península Ibérica, onde as elites progressistas o seguiam, mas não os padres, nem os pequenos nobres, nem o povo. Por toda a parte, o nacionalismo que os franceses tinham acordado virava-se contra eles.

Assim, mesmo que vencesse Waterloo, Napoleão acabaria sempre derrotado. A coligação de todos os poderes continentais – e o ouro e a Marinha de Inglaterra – não o largariam nunca. Curiosamente, ele que era o 'tirano' e o mau da fita, era também o modernizante, o revolucionário. A 'Santa Aliança' chegaria depois para demorar o ritmo da História.

Ao ler o 'momento de Waterloo', a minha tristeza por Blücher ter chegado antes de Grouchy talvez fosse inútil – mas nem por isso deixou de existir e não a esqueço. E revoltei-me até ao limite com o fuzilamento de Ney e as razões de Estado que o ditaram.