Isaltino senta-se no banco dos réus

MAIS de 100 testemunhas e 126 páginas de pronúncia de acusações para provar – e o risco de, dentro de pouco mais de três meses, tudo o que for feito até aí ser suspenso e acabar anulado. O julgamento de Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras e candidato já assumido às próximas eleições autárquicas…

A questão dominou a primeira das mais de 60 audiências já marcadas: se não estiver tudo concluído até ao início de Julho, corre-se o risco de o julgamento vir a ser anulado. E isto porque Isaltino Morais vai poder beneficiar de 60 dias de imunidade (para preparar e realizar a sua campanha eleitoral a Oeiras), enquanto o julgamento só pode ser interrompido por 30 dias, sob pena de se perder toda a prova produzida e ter de ser tudo repetido desde o início.

«O meu cliente não vai usar a imunidade» – garantiu repetidamente aos jornalistas o advogado de Isaltino , Carlos Pinto de Abreu, acrescentando pretender que o julgamento se faça até ao final de Junho.

O problema é que, no total, estão arroladas mais de 100 testemunhas, 30 das quais de defesa do autarca. Entre estas, Isaltino pretende que sejam ouvidas pessoas de Cabo Verde, S. Tomé, Angola e até dos Estados Unidos – para as quais o tribunal terá de emitir cartas rogatórias ou tentar a audição por videoconferência. Qualquer destas diligências, à semelhança do que acontece noutros julgamentos, pode demorar meses a cumprir.

A audição das testemunhas de acusação, mais de 30 também, está agendada em audiências até meados de Abril. A primeira e a mais esperada é Paula Nunes, antiga secretária do autarca, que colaborou com o Ministério Público (MP) durante as investigações e cuja inquirição estava marcada já para ontem. O facto de Isaltino ter prolongado por dois dias a sua exposição introdutória (foi o único dos cinco arguidos a falar no início do julgamento) obrigou ao adiamento da inquirição daquela testemunha.

O ‘milagre dos pães’

O autarca, que falou durante várias horas seguidas – só interrompido por curtas intervenções da juíza – quis explicar que não é «o monstro» que o MP apresenta na acusação.

Comentando os factos de que é acusado, o autarca de Oeiras disse, por exemplo, que o dinheiro em cash depositado nas suas contas na Suíça teve origem em «sobras de campanhas eleitorais», doações familiares, venda de património imobiliário e até rendimentos obtidos pela mulher e pela sogra por dinheiro investido no negócio da D.ª Branca – que, em todos os casos, assumiu não ter declarado ao Fisco. Isaltino juntou mesmo ao processo, agora no início do julgamento, um extenso conjunto de documentos, entre os quais, como explicou, recibos passados pela própria D.ª Branca.

O magistrado do MP no julgamento, Luís Eloy, lembrou a este propósito que Isaltino tinha um vencimento de presidente da Câmara, mas nas suas contas foram feitos depósitos de mais de um milhões de euros – um «milagre dos pães», como lhe chamou.

O autarca chegou quase a emocionar-se, revoltado, ao falar, por exemplo, do terreno que lhe foi oferecido pela câmara de S. Vicente, em Cabo Verde – que afirmou ter aceite para não parecer «inconveniente». E lembrou: «Búzios, no Brasil, teve um grande desenvolvimento quando Brigitte Bardot passou lá férias». Mas, durante o resto do tempo, manteve uma pose confiante, exaltando sempre que possível o seu trabalho em Oeiras. Um trabalho que terá de ser parcialmente interrompido, pois Isaltino tem agora de sentar-se todos os dias no banco dos réus – passando a câmara de Oeiras, na sua ausência, a ser gerida pelo vice-presidente, Paulo Vistas. O julgamento só será suspenso na semana de férias judiciais da Páscoa.