Carlos Horta e Costa, ex-presidente dos CTT, Manuel Baptista, ex-vice-presidente, e Gonçalo Leónidas da Rocha, ex-administrador, foram acusados pelo Ministério Público (MP) de administração danosa e participação económica em negócio.
«Os arguidos praticaram os factos que lhe são imputados com flagrante e grave abuso da função, em benefício de terceiros e em prejuízo dos CTT (…), pondo em causa a confiança da comunidade na boa administração do sector empresarial do Estado e dos dinheiros públicos» – afirma o MP.
Os três gestores, segundo o MP, lesaram os CTT em mais de 13,5 milhões de euros, em cinco negócios que autorizaram. A principal operação prende-se com a venda do prédio dos Correios em Coimbra, onde a empresa perdeu cerca de 5,2 milhões de euros. No dia 20 de Março de 2003, os CTT venderam o imóvel por 14,8 milhões de euros à Demagre, tendo esta empresa revendido o imóvel no mesmo dia, por 20 milhões, à ESAF (Espírito Santo Activos Financeiros).
Luís Ramos, ex-director dos CTT que propôs e acompanhou a venda à Demagre de um segundo prédio dos Correios, na avenida da República, em Lisboa, no dia 30 de Dezembro de 2003, é acusado de corrupção. O MP considera provado que Ramos recebeu da Demagre, como contrapartida, um total de oito mil euros, entre Abril e Novembro desse ano.
Esta segunda alienação necessitava da autorização prévia da então ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, mas Manuel Baptista deu ordens para que a escritura fosse realizada 24 horas antes dessa aprovação. A operação seria anulada mais tarde, pois o cheque de 12,5 milhões de euros apresentado pela Demagre não tinha cobertura.
‘Luvas’ de 1,6 milhões pelo prédio de Coimbra
Trata-se da primeira vez que administradores de uma grande empresa pública são acusados de gestão danosa. O inquérito, que ficou conhecido como o ‘caso CTT’, esteve a cargo da 9.ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, coordenada por Teresa Almeida. A procuradora Ana Margarida Santos, autora do despacho de encerramento do inquérito, acusou 16 dos 52 arguidos inicialmente indiciados pela Polícia Judiciária (PJ).
O processo ‘nasceu’ em Julho de 2005, a partir de uma queixa anónima para o DIAP de Lisboa. Um ano depois, este departamento, liderado pela procuradora-geral-adjunta Maria José Morgado, recebeu um relatório arrasador da Inspecção-Geral das Obras Públicas que reforçou as suspeitas. Mas os principais indícios do pagamento de ‘luvas’ chegaram em 2007, do DIAP de Coimbra – que, num inquérito a Luís Vilar (então vereador da Câmara, presidente do PS local e colaborador dos sócios da Demagre), apreendeu documentação a Júlio Macedo e a Pedro Garcez (da Demagre) que indiciava o pagamento de «um milhão de euros» a «Amigos CTT».
No final, o inquérito reuniu provas documentais de que foram pagos 1,6 milhões de euros de ‘luvas’ pela venda do prédio de Coimbra. O MP considera, porém, que não há prova cabal de que o dinheiro foi recebido por Horta e Costa, Manuel Baptista e mais 10 suspeitos ligados à Câmara de Coimbra, ao PSD local e à ESAF (todos referidos com iniciais na documentação apreendida aos sócios da Demagre). Recorde-se que o ex-presidente dos CTT e o seu vice chegaram a ser constituídos arguidos por corrupção, pois os seus nomes constam em diversos documentos, como tendo recebido 200 mil euros – suspeitas que o MP deixa agora cair.
Provado está que o advogado Vítor Coelho da Silva levantou um milhão de euros em numerário numa agência do BCP na Batalha, no dia 20 de Março de 2003 (local e dia da escritura com os CTT) e que saiu da agência com uma mala que continha esse valor em notas de 500 euros. Mas não se conseguiu detectar as contas bancárias ou os cofres onde terão sido depositados tais montantes. E também não foi recolhida prova que demonstre que tenham sido solicitadas e aceites pelos arguidos essas ‘luvas’.
Um segundo levantamento em numerário, no valor de 600 mil euros, foi realizado em Lisboa, na agência do BCP da rua do Ouro. Neste caso (e ao contrário do milhão de euros), o MP entende que conseguiu provas do pagamento de 50 mil euros a Carlos Baptista, Pedro Mora, Armando Sousa Rodrigues, Marcos Lagoa, Carlos Godinho Simões e Luís Vilar. Enquanto os primeiros cinco arguidos são por isso acusados de fraude fiscal, Vilar é acusado de corrupção por se considerar que os 105 mil euros (além da primeira tranche de 50 mil, Macedo pagou mais 55 mil euros ao socialista) que recebeu da Demagre a coberto de uma avença, foram uma contrapartida para aprovar o arrendamento de parte do prédio dos CTT à Câmara de Coimbra.
Vilar foi o único vereador da autarquia a ser acusado. Todo o Executivo camarário, incluindo o presidente, Carlos Encarnação, estava indiciado por prevaricação por causa desse arrendamento – mas, e apesar de ter detectado várias irregularidades administrativas, o MP considerou que limitaram-se a confiar nos serviços e agiram de boa-fé.
O caso também foi arquivado quanto a Paulo Pereira Coelho (ex-secretário de Estado de Santana Lopes) e a Paulo Miraldo (chefe de gabinete do ex-ministro das Obras Públicas António Mexia), indiciados de tráfico de influências por também terem recebido ‘luvas’ de 50 mil euros (que não foram detectados nas suas contas bancárias) para influenciarem entidades públicas de Coimbra. O MP considerou o crime prescrito.
O mesmo não aconteceu com o ex-administrador Gonçalo Leónidas da Rocha. Este foi mandatado por Horta e Costa, em 2003, para negociar a contratação da consultora Roland Berger pelos CTT. O gestor, segundo o MP, acordou com António Bernardo, sócio da Roland Berger, a sua saída para esta empresa de consultoria após o término do seu mandato nos Correios. Na Roland Berger, Rocha recebeu por seis meses de trabalho cerca de 83 mil euros brutos.