Escutas do Face Oculta revelam que Ana Paula Vitorino era um obstáculo no Governo

A ex-secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, foi pressionada por Mário Lino em 2007 e em 2009 para pôr fim ao conflito judicial entre a a empresa pública Refer e Manuel Godinho, e restabelecer as relações comerciais com as empresas deste (o grupo O2). Lino terá mesmo salientado que as empresas de Godinho…

A ex-governante foi também contactada por outras pessoas da área do PS, que queriam ver destituído o presidente da Refer, Luís Pardal. Se não o fizesse, Mário Lino proporia a exoneração em Conselho de Ministros. A ex-governante, ao que o SOL apurou, ameaçou demitir-se, caso Pardal tivesse de sair.

Estes factos que o SOL confirmou junto de diversas fontes governamentais lançam nova luz sobre as provas já reunidas pelo DIAP de Aveiro no processo Face Oculta.

Contactada pelo SOL, Ana Paula Vitorino recusou fazer comentários: «Não quero falar sobre esse tipo de assuntos».

Mário Lino, por seu lado, afirmou ao SOL, há duas semanas: «A administração da Refer foi por mim proposta e reconduzida em 2009. Sempre teve o apoio do Governo». E garantiu: «Nunca recebi nenhum pedido para exonerar o presidente da Refer».

Luís Pardal tornou-se persona non grata para Manuel Godinho quando interpôs uma acção judicial contra a O2, em Abril de 2007, pedindo uma indemnização de 106 mil euros. A empresa de Godinho tinha levantado, em 2004, sem autorização prévia da Refer, 3.690 metros de carris e 5.272 travessas de madeira da linha do Tua. A O2 tinha alguns contratos de gestão da sucata de linhas férreas da Refer desde 2002, mas Pardal não perdoou, pois constatara outras irregularidades (como a sobrefacturação) por parte do grupo O2.

Além da acção judicial, Pardal (nomeado em 2005 por Vitorino) foi mais longe: proibiu informalmente os serviços da Refer de contratar qualquer empresa da O2 – facto que levou Godinho a criar novas empresas para participar em concursos da Refer.

O empresário da sucata foi informado antecipadamente de que a Refer ia avançar para a via judicial e recorreu aos seus contactos para travar tal investida. Foi nesta altura que Mário Lino falou pela primeira vez com a sua secretária de Estado sobre as queixas que recebeu. Disse Lino a Ana Paula Vitorino que a O2 era uma «empresa amiga do PS» e que estava a ser mal tratada pela Refer.

Vitorino terá então questionado Luís Pardal – tendo este relatado toda a informação sobre as irregularidades detectadas com o grupo O2. Essa mesma informação, segundo fontes governamentais contactadas pelo SOL, foi transmitida pelo próprio Luís Pardal ao ministro Mário Lino. Com a condenação da O2, em finais de 2008, ao pagamento de 106 mil euros (mais juros de mora), o assunto ‘morreu’.

Financiamento partidário

O desespero de Manuel Godinho neste caso foi tal que chegou a dizer, já em 2009, a um funcionário da Refer (Carlos Vasconcelos, também arguido neste caso) que a solução para o problema poderia «passar pela entrega de um donativo para uma campanha partidária». O DIAP de Aveiro entende, aliás, que Manuel Godinho contactou Vara e Lopes Barreira, entre outros, para conseguir a demissão de Vitorino e Pardal.

O empresário, entretanto, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto – que acabou por lhe ser favorável (invocando a prescrição da queixa da Refer). Godinho distribuiu então a informação pelos seus amigos Armando Vara e Lopes Barreira.

As escutas do processo Face Oculta provam que Barreira contactou Mário Lino, a pedido de Manuel Godinho.

É nesta altura que o ministro das Obras Públicas, segundo fontes contactadas pelo SOL, fala pela segunda vez com a secretária de Estado sobre a O2 – numa altura em que as relações entre os dois já não eram as melhores. Por isso , Lino terá referido apenas que a O2 tinha ganho o processo na Relação do Porto. Mas sem resultados práticos.

As escutas do processo Face Oculta também comprovam, por outro lado , que Armando Vara, em Junho de 2009, intercedeu junto de José Sócrates para manter Cardoso dos Reis como presidente da CP – dirigente que Ana Paula Vitorino queria afastar.

Segundo soube o SOL, a ex-secretária de Estado tentou, de facto, substituir o presidente da CP – numa altura em que a empresa alterou o respectivo estatuto ( de empresa pública para sociedade anónima) – e propôs-lhe ir para presidente do Instituto Português dos Transportes Marítimos, cargo que Reis recusou.

Ascensão e queda

Ana Paula Vitorino chegou a ser falada para sucessora de Mário Lino à frente das Obras Públicas no segundo Governo de José Sócrates. Mas o seu repatriamento para a Assembleia da República (onde hoje é coordenadora socialista das Obras Públicas) marca o desencantamento de José Sócrates com Vitorino. Muitos socialistas vêem o dedo de Armando Vara na sua queda.

Este desterro também foi motivado pelo afastamento em relação a António Costa – o guru político que a tinha levado para o Secretariado Nacional do PS.

Contudo, as relações entre os dois deterioraram-se quando Costa chegou a presidente da Câmara de Lisboa em 2008. Tutelando empresas vitais para a autarquia como o Metro de Lisboa, a Carris ou a Administração do Porto de Lisboa (APL), Vitorino não gostou que Costa tentasse mandar nas ‘suas’ empresas, enquanto que o autarca detestou que a sua apoiante não atendesse os seus desejos.

Em vésperas de eleições legislativas, os dois não se falavam. Foi neste período que António Costa recusou fazer campanha em Lisboa se Vitorino fosse incluída na lista da capital. Foi então transferida para o Porto. Mas, em política, o tempo cura depressa todas as feridas e, segundo fontes que lhes são próximas, os dois já fizeram as pazes.

luis.rosa@sol.pt