A conversa que incrimina Vara

Para o Ministério Público e o juiz de instrução do processo Face Oculta, há indícios muito fortes de que Armando Vara cometeu o crime de tráfico de influências, ao realizar diligências para que o presidente da Refer, Luís Pardal, e a secretária de Estado da tutela, Ana Paula Vitorino, fossem destituídos

Vara foi confrontado com uma série de fotografias de encontros e muitas escutas telefónicas – nomeadamente, a que a seguir se transcreve e que os magistrados consideram provar que iria receber 25 mil euros (os «25 quilómetros») como contrapartida:

MANUEL GODINHO – Sim.

ARMANDO VARA – Olá.

M.G. – Olá, boa tarde. Está tudo bem?

A.V. – Viva. Como está? Tudo bem. Então?

M.G. – Você ligou-me.

A.V. – Eh! Hoje não.

M.G. – Foi ontem?

A.V. – Liguei-lhe há dias para saber como é que tinha corrido aquilo do…, mas já falámos depois disso.

M.G. – Está a correr bem. Eh! Não, eu tinha aqui hoje uma chamada não atendida.

A.V. – Sim, porque ele pediu-me para lhe… ele queria falar consigo, não era?

M.G. – Foi ontem, então, não foi?

A.V. – Foi, foi… não, ontem não.

M.G. – Eu estava na recepção, tá a ver? Eu estava na recepção e o senhor já estava lá em cima. Estávamos desencontrados.

A.V. – Pois foi, pois foi. Foi nessa altura, foi.

M.G. – É que eu cheguei mais cedo.

A.V. – Tá bem.

M.G. – Olhe!

A.V. – Tá tudo a correr bem.

M.G. – Você aqui há dias falou-me, falou-me naquela situação, que, lembra-se? E era para agora, era?

A.V. – A situação de quê?

M.G. – Se for, para a semana passo por aí.

A.V. – Não me lembro do quê!

M.G. – Eh! Você falou-me em 25 quilómetros.

A.V. – Não, não, não, é para depois, isso é para depois.

M.G. – Ah! Então depois a gente fala tá bem?

A.V. – Tá bem, tá bem. OK. A gente depois vê isso.

M.G. – Tá OK. Pronto. De resto, está tudo a correr bem.

A.V. – É. Ele disse-me que estava, que tinha falado e depois ligou-me, pediu-me para lhe dar o telefone…

M.G. – Pois.

A.V. – … para falar de outra coisa.

M.G. – OK, OK.

A.V. – Sim, senhor. Então vá.

MG – Tá. Um abraço, senhor doutor.

A.V. – Um abraço para si também.

M.G. – Obrigado.

O dinheiro, sustentam os magistrados de Aveiro, terá sido entregue depois, num almoço em casa de Godinho, no dia 20 de Junho – e no qual também esteve Lopes Barreira, suspeito de ter recebido igual quantia. No interrogatório em Aveiro, Armando Vara negou e disse que a conversa em causa é apenas a combinação de um depósito de 250 mil euros de Manuel Godinho no BCP.

‘Quilómetros’, alega, é um termo usado por alguns banqueiros e empresários, sendo que ‘um quilómetro’ significa 10 mil euros. Tanto o procurador João Marques Vidal como o juiz de instrução António Gomes consideraram esta explicação inverosímil.

SOL