ou porque o eterno presidente do conselho do estado novo era visto com preconceito pessoal ou com paixão ideológica pelos seus apoiantes ou pelos seus inimigos, ou porque muitos dos livros editados se ocupavam apenas de uma época, de um aspecto da sua acção ou de um episódio da sua vida.
escrito em inglês, graças à encomenda da enigma books, de nova iorque, salazar é o primeiro trabalho completo e desapaixonado sobre o homem que governou portugal durante quase 40 anos. ao longo de 650 páginas de texto e mais de 100 páginas de notas, convivemos com o homem e com o político, desde as suas modestas origens, passando por uma brilhante carreira académica em coimbra, até à tomada do poder e ao longo período em ocupou a cadeira de s. bento, acabando na morte inglória: abandonado por todos, vivendo em s. bento, prisioneiro de uma ficção patética – a de que continuava a comandar os destinos do país.
afigura política de salazar e a ideia de que era um homem a quem a providência havia encarregado de uma missão – salvar portugal do comunismo, do materialismo e da perversidade do progresso – recorta-se com clareza ao longo do livro de frm: a consolidação do poder pessoal, o equilibrismo com as várias forças da direita, as habilidades diplomáticas durante a ii guerra, o cinismo de muitas das suas alianças, a ‘traição’ da santa sé e dos seus aliados relativamente à sua política colonial, o abandono das ideias-mestras da sua política – o corporativismo, por exemplo –, o sacrifício impiedoso dos seus colaboradores. igualmente o homem sai da sombra, mesmo se é para nos aparecer na sua face mais obscura: um ditador civil, celibatário, que nunca se desfez da ideia de que a vocação das mulheres era serem mães e donas de casa, que não acumulou riqueza, que nunca saiu de s. bento (a não ser umas esporádicas visitas a espanha para se encontrar com o generalíssimo), que nunca visitou as colónias, pelas quais sacrificou muitas vidas, que não conhecia o país, que se recusou a admitir que o mundo se encaminhava na direcção oposta às suas convicções, que espezinhou a justiça e deu carta-branca à censura e à pide para reprimir sem piedade o espírito crítico, a razão e a liberdade.
se algum reparo, para os que viveram esses tempos, se pode fazer a frm, é não ter enfatizado esse aspecto: a devastação cultural de que o país ainda não se recompôs (o apagamento da memória histórica, por exemplo), a perseguição à inteligência, a degradação moral dos portugueses que ele queria que ‘vivessem habitualmente’, e a quem ensinou o medo, a delação e o conformismo. sob a capa da aurea mediocritas, é esse o legado sinistro de salazar: ensinou-nos a ser pobres, mesquinhos e agradecidos.
