paul simon sempre foi um letrista fora de série – basta recordar versos de ‘slip sliding away’ como i know a woman, (who) became a wife/these are the very words she uses/to describe her life/she said a good day/ain’t got no rain/she said a bad day’s when i lie in bed/and think of things that might have been, nos quais resume o remanescente perpétuo do estado amoroso prolongado.
tal como ‘slip sliding away’ é um espelho da condição humana, ‘still crazy after all these years’ é um espelho da condição amorosa. nesta canção não se fala nem de amor platónico, nem de amor–paixão, nem sequer de um amor perdido. o que está em causa é um amor que subsiste e prevalece, ainda que adormecido, um amor consistente e consciente, indissociável da própria existência, uma visão madura e conformada do que pode ser uma grande história de amor. aliás, só os amores que se transformam em grandes histórias é que valem a pena ser vividos e recordados.
um dos sinais de um amor maduro é que o interlocutor já não precisa de falar com o seu objecto amoroso, preferindo cogitar tranquilamente com os seus botões, neste caso, com os seus acordes. um amor capaz de atravessar o tempo e o modo pode esgotar-se para quem o recebe, mas é infinito para quem o dá.
talvez por isso, a partir do momento em que o cansaço troca de lugar com a novidade, e exactamente para que esse amor não perca a sua frescura que desejamos eterna, falar ou escrever sobre ele só faz sentido se for para nós próprios ou para um confidente cúmplice das nossas aventuras e desventuras amorosas.
o outro, aquele que amamos, quer durma todas a noites debaixo do mesmo tecto ou tenha escolhido outro caminho, não merece ser incomodado com os nossos devaneios. mais vale que se conserve leve e feliz no limbo do sono enquanto falamos dele e o recordamos numa canção.
gosto particularmente dos versos finais: now i sit by my window/and i watch the cars go by/i fear i’ll do some damage/one fine day/but i would not be convicted/by a jury of my peers/still crazy after all these years. parece que estou a vê-lo, absorto e rendido à certeza de que irá voltar ao lugar onde já foi feliz, esse espaço sem espaço nem tempo onde vale tudo porque somos os deuses escolhidos de um mundo por nós inventado, o nosso mundo onde ninguém entra, a não ser os nossos filhos, o mundo perfeito no qual a condição amorosa reina sobre todas as coisas. é esta a condição amorosa e felizes são aqueles que a vivem debaixo da pele.
margarida rebelo pinto