a proposta, que se escuda em construções teóricas sobre a obsolescência da rtp numa economia de mercado (pacheco pereira tem dado a caução intelectual a essa tese abstrusa), esconde a conhecida vulnerabilidade dos políticos liberais à pressão dos grandes grupos de comunicação, para quem a posse de um alvará de tv é, não um simples negócio, mas uma alavanca de negócios e uma fonte de poder.
bastaria ver os efeitos devastadores nos países em que se deixou que grupos de poder e indivíduos sem escrúpulos se apoderassem da tv (berlusconi em itália, bouygues em frança) para estarmos vacinados contra essa tentação. mas, num país como o nosso, com uma diáspora e uma comunidade de países lusófonos que dispõe de um instrumento – a língua – nunca aproveitado como elemento estratégico dos interesses de portugal, nunca houve qualquer reflexão sobre o assunto, o que explica que ninguém esteja hoje a pensar numa indústria de conteúdos em língua portuguesa nem na adequação da rtp às novas plataformas e aos novos serviços.
não deixa de ser significativo do desleixo a que se vota o serviço público de televisão que, em portugal, sobretudo desde que surgiram dois operadores comerciais, os presidentes da rtp tenham sido sistematicamente gestores que, embora experientes, centram a sua atenção nos bons resultados da empresa, deixando para segundo plano as estratégias em matéria de conteúdos e de programação, e não, como se impunha, pessoas com um passado de reflexão sobre o assunto ou, pelo menos, de alguma craveira intelectual.
comparem-se os perfis de almerindo marques ou de guilherme costa com os de antónio brás teixeira ou de soares louro, para percebermos do que estou a falar. os próprios ministros da tutela sempre foram ministros políticos, ignorantes da matéria com que tinham de lidar e que, por isso, estão na origem de decisões gravosas e de políticas que conduziram aos maiores desastres.
enquanto primeiro-ministro, cavaco silva foi um deles, o homem que abriu caminho à desregulação da tv e à fragilização do serviço público de televisão. estou certo que, como outros (veja-se o exemplo recente de morais sarmento), terá aprendido com o tempo os erros que os seus conselheiros o induziram a praticar.
talvez por isso, é chegada a altura de, enquanto presidente, inventar, por exemplo, a oportunidade de uma visita às instalações para se pronunciar sobre o tema, travando a tentação irresponsável de muitos dos seus correligionários políticos e afirmando, com visão de estado, a imprescindibilidade e a importância nacional e internacional do serviço público de televisão. o que não dispensa a necessidade de um aggiornamento. mas isso, meus senhores, é outra história.
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