eu ia a entrar para a nave espacial, mas, de repente, falhou-me o pé e vim aqui parar», disse o louco ao seu vizinho de cama, na vasta ala da enfermaria que recebe os acidentados. «estava a correr tudo… bem, não sei o que aconteceu», concluiu, perplexo, frustrado por não conseguir alcançar uma explicação para o sucedido.
a realidade era, porém, bem diferente: o louco, doente esquizofrénico, atirara-se da varanda do segundo andar da sua residência.
não é preciso sermos loucos para que estas aventuras nos aconteçam. no trabalho, nos negócios e no amor, quantas vezes não nos atiramos da varanda do segundo andar? quando o novo é irresistível, como evitar a travessia na corda bamba do desconhecimento e ter disciplina para não sonhar tão alto nem tão depressa com o que poderá ser?
não há sensação que se compare à adrenalina que é disparada por uma situação totalmente nova; o melhor é não sabermos o que nos espera, a mesma sensação de prazer que sentimos quando visitamos uma cidade desconhecida e não imaginamos o que está para lá da próxima esquina. mas, às vezes, uma pessoa engana-se e vai parar ao bairro errado.
a primeira vez que fui a nova iorque, nos anos 80, perdi-me no lower east side e só não fui assaltada por um bando de hispânicos porque desatei a língua numa algaraviada castelhana a explicar que éramos todos hermanos. estou a falar de uma época em que andar de metro depois das sete da tarde era perigoso e em que o filme nova iorque fora de horas fazia todo o sentido.
agora, nova iorque já não é perigosa e o lower east side está a ficar na moda, mas os anos só nos ensinam a ir mais devagar, não nos ensinam a não repetir os mesmos erros. o entusiasmo inicial é como um fórmula 1 guiado por um adolescente de 13 anos: é preciso muita sorte para uma pessoa não se espetar na primeira volta.
sonhar faz falta, porque o sonho comanda mesmo a vida, e cada vez que um homem não sonha, o mundo não pula nem avança. o truque é sonhar com os pés no chão, ou, no caso amoroso, com um pé na cama e outro no chão, para ser mais precisa.
está cientificamente provado que a zona do cérebro que faz funcionar o nosso sentido crítico bloqueia quando nos apaixonamos. é por isso que, quando voltamos a encontrar as nossas paixões antigas, percebemos que o príncipe outrora encantado, afinal, era cioso e metia os joelhos para dentro. ele sempre foi assim, nós é que não víamos.
é o efeito nave espacial – quando perdemos a cabeça, entramos numa dimensão só nossa e o cérebro desata a pintar o mundo de cores diferentes, transformando-o num outro lugar que só existe dentro da nossa realidade.
depois de alguns trambolhões, quando ia a entrar na nave espacial, aprendi um truque: se não idealizar o meu amor, aprendo desde logo a aceitá-lo com os seus defeitos e a viver com eles. e, depois, até podemos ir os dois à lua e voltar. mas nunca sem lhe dar a mão, não vá o diabo tecê-las e acordar sozinha numa enfermaria com outros doidos por companhia.