O último Rei

O regicídio pôs o infante D. Manuel no centro do turbilhão político. Mas os dados já estavam lançados

o poder foi-lhe atirado para os braços, ensanguentado, quando se preparava para iniciar a vida adulta fazendo os exames de admissão à escola naval. tinha 18 anos. menos de três anos depois, d. manuel ii, rei inesperado, embarcava para um exílio definitivo de 22 anos, capítulo derradeiro da dinastia de bragança e de uma monarquia desacreditada.

ficou famosa a frase de joão chagas numa carta ao jovem rei: «v. majestade chega demasiado novo a um mundo demasiado velho». mais ou menos o mesmo dizia d. amélia, sua mãe: «a pobre criança acumulou todas as desvantagens». e o horror, por ele descrito nas suas ‘notas absolutamente íntimas’, de ter estado naquele landau no terreiro do paço, no dia 1 de fevereiro de 1908, vendo morrer pai e irmão, rei e príncipe herdeiro, sob as balas da revolução carbonária.

não fora preparado para o poder mas tinha ideias sobre como o exercer, numa linha de equilíbrios apaziguadores que manteve no trono e no exílio, mesmo à custa do rompimento com muitos monárquicos mais exaltados. a carta constitucional de 1826, que jurou em maio de 1908, foi o seu guia, legalista até ao fim.

‘o rei reina, mas não governa’, era a regra que d. carlos violara ao apoiar o governo de ditadura de joão franco, numa tentativa de controlar ‘à turca’, como então se dizia, as extremadas tensões políticas e sociais. e foi o intervencionismo paterno que d. manuel inverteu logo após o regicídio, despedindo joão franco e nomeando um governo dito de ‘acalmação’.

ilusória trégua de cúpula. não só não cessaram as intrigas no campo monárquico, como as ruas continuaram palco de uma guerra social sangrenta.

o rei não se refugiou nas saias da mãe, tentou cativar os socialistas para disputar o operariado ao republicanismo. mas a radicalização tudo galgava. e quando, em 1910, confirmou um governo da esquerda liberal, os monárquicos conservadores já lhe chamavam «rei dos republicanos» e conspiravam contra ele. entre gregos e troianos, o último bragança estava suspenso no ar.

valeram-lhe nesses tempos os afagos de gaby deslys, actriz e dançarina, oito anos mais velha que ele, uma relação muito badalada iniciada em paris, em 1909.

no dia 5 de outubro de 1910, pelas quatro da tarde, na praia da ericeira, d. manuel embarcou no iate d. amélia e rumou a gibraltar. aí, uns dias depois, o iate do rei jorge v recolheu a família real portuguesa para a levar para inglaterra.

as fracassadas incursões militares restauracionistas a partir de espanha, em 1911 e 1912, foram lançadas sem o seu apoio. do exílio inglês, tentou sempre convencer os monárquicos portugueses a privilegiarem a acção política. em janeiro de 1911, a república deu-lhe uma pensão e restituiu os bens da casa de bragança.

de pé sobre um caixote com terra portuguesa, em 1913, assistiu à missa no dia em que se casou com uma prima em segundo grau, a princesa alemã augusta vitória. mas não gerou descendência.

apoiou a entrada de portugal na i guerra ao lado da inglaterra, o que lhe valeu a hostilidade dos monárquicos germanófilos. oficial da cruz vermelha, criou um serviço hospitalar para os mutilados de guerra e gastou dinheiro seu a montar um serviço de ambulâncias para o corpo expedicionário português.

os últimos anos em twickenham, perto de londres, foram dedicados à paixão pelos livros, escrevendo uma obra que continua a ser de referência sobre livros e autores portugueses dos séculos xv e xvi.

morreu em 1932, com apenas 42 anos. salazar, que recusara os pedidos de regresso da família real, organizou-lhe funerais nacionais em lisboa.

frederico.carvalho@sol.pt