Nos anos 70 a minha mãe tinha uma costureira com aspirações a modista que visitava com frequência para que esta lhe fizesse um pouco de tudo, desde pequenos arranjos a vestidos, casacos e saias para toda a família.
Eu adorava o programa porque, desde muito cedo, me entretive a observar os outros e as suas casas, e tanto a D. Irene como o seu apartamento eram um hino ao kitch tão deslumbrante que ao longo de uma década nunca deixaram de me encantar: eram os pierrots de loiça aqui e ali, os naperons bordados com flores em versão multicolor enfeitando alegremente a mobília, os apliques a imitar folha de ouro, os estofos brocados dos maples, o papel de parede escuro com arrebiques, as tapeçarias com cenas de piqueniques, os cavalinhos brancos de loiça, os santinhos em pandilha no oratório improvisado.
Enfim, de cada vez que entrava naquela casa, descobria mais um pormenor que me deliciava. E depois a D. Irene em pessoa, com o seu corpo cilíndrico e atarracado, no qual a prateleira dos peitorais marcava cinquenta centímetros de avanço em relação à cabeça, criando uma linha imaginária, porém bem visível, até abaixo da cintura – de modo que eu não conseguia vislumbrar onde acabava o peito e se iniciava a barriga a não ser a partir das pernas –, os óculos de massa grossa e o cabelo armado em capacete graças à laca Elnett Satin, a laca que as estrelas de cinema usam.
D. Irene estava longe de ser uma estrela, confinada às bainhas e aos alfinetes no seu pequeno mundo atafulhado de frustrações e, por isso, aproveitava as provas para se queixar à minha mãe da sua triste condição derivado à fraca qualidade do marido que arranjara e acerca do qual tanto dizia bem como mal, consoante as circunstâncias, ou talvez a lua, não sei precisar.
A minha mãe, a quem o pragmatismo e a objectividade raramente falham, tentava em vão encontrar um fio condutor na total ilógica e disparidade dos comentários da senhora acerca do seu mais que tudo, neste caso retratado como um menos que zero.
E eis que se fixa para sempre um curto e maravilhoso diálogo na minha memória quando a minha mãe, tentando tirar a prova dos nove, pergunta: «Ó D. Irene, umas vezes o seu marido é bom, outras é mau, afinal em que é que ficamos?» E a pobre senhora, muito seráfica, de alfinetes na boca, rodando vagarosamente sobre o vulto materno que se encontrava encavalitado num banco de pequeno porte para facilitar a prova, responde: «Olhe minha senhora, ele não é bom nem é mau, simplesmente não presta para nada».
E logo ali morreu o assunto, por não haver volta a dar-lhe.
Há homens bons, homens maus e homens que não prestam para nada. Eu prefiro os bons e já me passou a idade de gostar de bandidos, mas nunca me calhou em rifa um que não prestasse para nada. Deve ter tido sorte, porque tal maçada já aconteceu a várias amigas minhas e, portanto, como já estamos a chegar ao fim da página, prometo desenvolver o tema para a semana.