O ‘e-terno’ feminino

As mulheres tendem a misturar tudo, como se o desejo carnal não existisse per si.

os homens são mais livres do que as mulheres, porque não vivem presos a um ideal de romance que é intrínseco ao eterno feminino. enquanto as mulheres procuram quase sempre o romance numa relação amorosa, os homens operam maioritariamente guiados por dois estados de alma diversos e por vezes opostos: ou estão apaixonados ou andam nas apostas múltiplas.

se estão apaixonados, há amor, romantismo, sonho e compromisso; se andam nas apostas múltiplas, isto é, distraídos com várias mulheres, há riso, prazer, cumplicidade e entendimento, pode haver até respeito e consideração por uma mulher enquanto pessoa, mas os outros condimentos não vão à mesa, ainda que se possam apresentar na cama.

um homem pode ser muito terno na cama sem estar apaixonado, assim como um homem loucamente apaixonado não tem necessariamente de ser meigo. e é aí que tudo se baralha; há casos que começam como histórias de cama e evoluem para paixões devastadoras, embora predominem os casos que nunca passaram de casos, porque o desejo carnal é uma coisa, o amor ideal é outra e embora se confundam quase nunca se fundem, a não ser que tenham nascido ao mesmo tempo. sobre isto já escrevi aqui, gosto de lhe chamar o pleno, por ter tudo e, por isso mesmo, ser quase tudo.

esta questão remete para uma reflexão que me acompanha há anos e para a qual não tenho resposta: qual a verdadeira capacidade que temos de modificar um sentimento?

um dos casais mais felizes que conheço é formado por um homem solteiro e uma mulher divorciada, que durante anos anteriores ao envolvimento amoroso foram os melhores amigos. hoje, são casados e amam-se profundamente.

mas este percurso não é o comum. o mito cultural do amor à primeira vista continua vivo e de boa saúde. e os homens sabem separar as coisas: atracção, desejo, tesão e consumação estão de um lado; idealização, sonho, dedicação e continuidade permanecem do outro – o lado que transforma os homens, que os transcende, que os faz querer ser pessoas melhores. parece que é uma febre que ataca os homens com muito menos frequência do que as mulheres, já que elas tendem a misturar tudo, como se o desejo carnal não existisse per si.

mais uma vez, não foram educadas para isso ou, ainda que o fossem, conseguiriam operar com a mesma frieza e objectividade que os homens? será que as mulheres sempre tiveram essa capacidade? ou, pelo contrário, a necessidade que têm de romantismo, de continuidade e de compromisso corre-lhes no sangue? será o ‘e-terno’ feminino uma característica endógena, alinhada entre outras na complexa cadeia do genoma humano?

a verdade é que as mulheres acabam por ter uma vida mais complicada do que os homens, porque se envolvem com mais facilidade e maior frequência. «in the end, we all wish to be rescued», citando charlotte, a mais romântica do quarteto de sexo e a cidade.

talvez mais umas do que outras, é certo, mas é rara aquela que não precise de segurança e de continuidade, que não acredite que acima do amor estão as provas de amor. e os homens ou as dão, ou não.