a proposta de orçamento do estado (oe) para 2011, apresentada pelo governo, inclui uma alteração à lei orgânica do tribunal de contas (tc) que tornará praticamente impossível a responsabilização financeira dos autarcas. na prática, trata-se de um perdão generalizado que atinge todos os presidentes de câmara, vereadores e presidentes de junta de freguesia que tenham, neste momento, processos em curso no tc.
o artigo 149 quase passa despercebido, no final da proposta de oe para 2011. diz que a lei orgânica daquele tribunal passa a ter, no seu artigo 61.º, a seguinte redacção: «a responsabilidade (financeira) recai sobre os membros do governo e os titulares de órgãos autárquicos, nos termos e condições fixadas» na lei. actualmente, este artigo só fala dos membros do governo, decretando que estes só podem ser responsabilizados pelo tc se tomarem decisões ilegais, sem estarem baseadas no parecer dos seus serviços técnicos ou contra o parecer desses serviços.
caso o artigo 149 da proposta do oe venha a ser aprovado, os autarcas – sobre quem sempre recaiu a responsabilidade dos actos ilegais praticados nos serviços que dirigem – deixam de poder ser visados nos processos do tc. «basta que um funcionário de uma câmara ou de uma junta de freguesia assine um papel a justificar a decisão do autarca, para que este deixe de poder ser responsabilizado. e cai tudo em cima do funcionário» – comenta uma fonte do tribunal.
«e como serão apuradas as responsabilidades financeiras nas juntas que não têm sequer funcionários?» – questiona outra fonte, acrescentando que a aprovação desta proposta do oe cria, por isso, «lacunas graves na efectivação da responsabilização financeira» pelo tc.
dezenas de autarcas com processos no tc
só em 2009, dos 75 processos que deram entrada na secção de julgamento do tribunal de contas, 12 visavam autarcas. já dos cerca de 140 processos concluídos no mesmo ano, 80 tiveram como alvo a administração autárquica. em 2010, já deram entrada mais 13 processos de julgamento para efectivação de responsabilidade financeira contra autarcas, e já foram julgados processos contra, por exemplo, as autarcas de setúbal e vila franca de xira.
segundo soube o sol, a maior parte dos presidentes de câmara, vereadores ou presidentes de junta que são visados em acções do tc não chega sequer a ser julgada. em 80 a 90% dos casos, os autarcas «preferem pagar voluntariamente as multas, para se verem livres dos processos». em 2009, o pagamento voluntário de multas ao tribunal de contas atingiu os 324 mil euros.
com esta norma proposta pelo governo, tal deixará de ser uma preocupação para os autarcas.
surpresa desagradável
a proposta do governo apanhou completamente de surpresa o tribunal de contas. segundo apurou o sol, os conselheiros ficaram «muito preocupados» com a possível aprovação desta norma, estando já em curso diligências para convencer o governo a recuar. «não estamos parados», confirmou ao sol fonte do tc.
contactado pelo sol, o director-geral josé tavares disse apenas que, se «esta norma fosse aprovada tal como se encontra, poderia dar lugar a uma diluição de responsabilidades relativamente a quem tem poderes de gestão autárquica e o consequente dever de prestação de contas». e lembrou: «esta situação dos titulares dos órgãos autárquicos não é comparável com a dos membros do governo, uma vez que neste caso as responsabilidades estão claramente definidas por lei». ou seja, os autarcas têm a seu cargo a gestão do dia-a-dia e a prestação directa de contas, enquanto os membros do governo não – o que justifica a distinção dos primeiros relativamente aos segundos na responsabilização financeira.
josé tavares concluiu, dizendo que, com esta norma, «se criaria uma situação de desigualdade relativamente a todo o sector público».