na quarta-feira, vi o lyon-benfica fora de casa, com uns amigos. como queria ouvir os comentários do carlos daniel, pedi a um dos meus netos que me gravasse o programa da rtp-n, a seguir ao jogo.
quando cheguei a casa, ainda mal refeito da ressaca, descobri que ele tinha posto a gravar o canal 4 em vez do 8. é o que faz entregar estas coisas a menores.
deparei com uma reportagem filmada numa casa decorada no ikea, em que se mostravam uns indivíduos parecidos com os que se costuma ver nas bombas de gasolina das auto-estradas e nos centros comerciais, que diziam palavrões abafados por bips, e fingiam que se zangavam uns com os outros.
pelo que percebi, um chamava-se ivo, o outro vítor. alguns passeavam-se pela casa em tronco nu, e havia também umas raparigas com roupas escassas que faziam figuração, se bem que uma delas, a certa altura, tivesse começado a chorar.
mais intrigado que curioso, fui ver de que se tratava. chamava-se a casa dos segredos. e, de repente, fiz um link mental com um artigo do miguel sousa tavares que tinha lido no sábado passado, em que o actual comentador da sic se indignava com o programa da estação da concorrência, que considerava um «espectáculo degradante de prostituição moral e indigência mental», comparando-o com a extraordinária lição de coragem e solidariedade que nos havia mostrado a reportagem do resgate dos 33 mineiros do chile. fui ver as audiências da tal casa dos segredos: é o programa mais visto da tv portuguesa, com um share de 43, 8%.
as criaturas que vi na tvi são reclusos voluntários, deixados à solta dentro de uma casa, para se exibirem e se expulsarem uns aos outros todas as semanas. é o que se chama um reality show, uma experiência que já havia sido feita pela tvi quando foi preciso bater as telenovelas da sic. nada de novo, portanto.
o que me surpreendeu, isso sim, foi ver intelectuais como miguel sousa tavares indignarem-se com o que viram. fui aos meus arquivos e respiguei dois artigos, de 4 e 18 de outubro de 1995, em que eu o criticava por ele ter chamado ‘censores’ aos que, como eu, haviam denunciado a caixa de pandora que o governo de cavaco tinha aberto ao liberalizar sem regras o espaço hertziano.
segundo ele, a tv que tínhamos era a que o povo queria, e tentar regulá-la era próprio de espíritos, como eu, que não toleravam a liberdade. o efeito está aí. desde que apareceu a tv privada, em portugal, como no resto da europa, sobretudo nos países onde os grupos de comunicação se tornaram mais fortes que o estado e mandam nos políticos, o resultado está à vista. esta gente que invadiu as cidades, e agora tomou conta do prime-time da tv, ignorante e boçal, não tem culpa.
mas os intelectuais como sousa tavares, que ajudaram a que isso acontecesse, esses deveriam agora fazer um acto de contrição. o que aí têm, era inevitável. eu quase diria que o país está como está porque a tv é o que é.
