joão marques vidal, procurador coordenador do diap responsável pelo inquérito, investigado no terreno pela polícia judiciária (pj) de aveiro, manteve no despacho de acusação que manuel godinho, acusado de 59 crimes, liderou uma associação criminosa que visava enriquecer ilicitamente à custa do património das mais variadas empresas de capitais públicos – como a ren, a refer, a galp, a edp, a portucel, entre outras.
numa acusação contra 34 pessoas singulares e duas sociedades de manuel godinho, o mp pede que seja declarado perdido a favor do estado um total de 4,4 milhões de euros – decisão que terá que ser ratificada por um tribunal, em julgamento.
desse valor, cerca de 1,8 milhões de euros dizem respeito às famosas prendas que manuel godinho ofereceu a gestores e funcionários públicos. igual montante resulta de todas as comissões pecuniárias que o sucateiro de ovar pagou para que as suas empresas fossem favorecidas. a última tranche de 840 mil euros diz respeito a incongruências que a pj detectou nas declarações de rendimentos apresentadas ao fisco e o real património ostentado por alguns dos arguidos.
associação criminosa
na acusação produzida na quarta-feira passada, o mp de aveiro explica ao pormenor a forma como godinho liderava uma associação criminosa – que integrava o seu filho joão, o sobrinho hugo, a secretária maribel rodrigues, o director namércio cunha, empresários de sucata como paulo costa e até manuel pinho, chefe da repartição de finanças de ovar.
o mp mantém na acusação que a famosa rede tentacular criada por manuel godinho incluía gestores como josé penedos, ex-presidente da rede eléctrica nacional (ren), paulo penedos, advogado e consultor de rui pedro soares na administração da pt, de antónio paulo costa, director da galp energia, e de carlos vasconcelos, ex-administrador da refer e de armando vara, ex-vice-presidente do bcp – todos ligados ao ps.
o mp diz que cada um destes gestores recebeu quantias monetárias de manuel godinho para favorecerem directa e indirectamente o grupo o2. assim, paulo penedos recebeu, pelo menos, cerca de 1,2 milhões de euros de manuel godinho, sendo que o saldo líquido favorável a penedos é de cerca de 490 mil euros.
o ex-consultor da pt disse em sua defesa que se tratava de honorários por serviços jurídicos, mas o mp entende que os 490 mil euros dizem respeito a uma contrapartida por penedos ter intercedido junto do seu pai (josé penedos) para a o2 ser favorecida pela ren.
já vara, que ajudou godinho a ‘entrar’ na edp, recebeu pelo menos 25 mil euros de manuel godinho, diz o mp. lopes barreira, empresário, recebeu a mesma quantia para, com a ajuda de vara, convencer o governo a pressionar a administração da refer a reatar relações comerciais com o grupo o2. como o mesmo objectivo, manuel godinho entregou 2.500 euros a carlos vasconcelos, administrador da refer.
paiva nunes, administrador da edp que passou a contratar a o2 a pedido de armando vara, recebeu um mercedes de 50 mil euros, enquanto antónio paulo costa, da galp, recebeu um mercedes avaliado em 284 mil euros.
acusação inédita
é a primeira vez que o mp e a pj conseguem acusar administradores e altos quadros de empresas públicas ligados a um partido do governo de favorecerem de forma concertada um grupo empresarial.
o mp, aliás, dá mesmo o exemplo paradigmático de armando vara, acusado de ter recebido 25 mil euros de manuel godinho. o ex-vice-presidente do bcp «urdiu uma extensa teia de contactos sob o seu jugo capaz de lhe permitir determinar o curso do processo decisório em empresas de capitais públicos». por seu turno, manuel godinho pretendeu utilizar o militante do ps e amigo do primeiro-ministro como «uma plataforma congregante de interesses, referenciando a sua influência tutelar sobre o sector empresarial do estado e da banca».
marques vidal não tem dúvidas que armando vara, com as portas que abriu a manuel godinho na edp, através de paiva nunes, visou promover de forma ilícita as empresas de sucata de godinho.
este, segundo o mp de aveiro, via armando vara como uma peça central na obtenção de favores de empresas da esfera do estado. por isso mesmo, e «para assegurar garantias acrescidas de sigilo e confidencialidade, manuel godinho adquiriu e reservou um posto telefónico exclusivamente para os contactos por esta via estabelecidos com armando vara», lê-se na acusação.
donativos para o ps
armando vara e lopes barreira tinham como principal missão, diz o mp, ajudar godinho a reatar negócios com a refer, a troco de dinheiro e de «donativos para o ps».
vara e lopes barreira aceitaram falar com mário lino, então ministro das obras públicas, para este pressionar ana paula vitorino, secretária de estado com o pelouro da refer, para que esta demitisse o presidente desta empresa. a acusação refere que lino chegou mesmo a falar com pardal – e «urgi-o a modificar o comportamento da refer com a o2», pondo fim ao contencioso que as opunha.
o que diz o ministério público sobre armando vara e manuel godinho