é uma das novidades do despacho final do processo face oculta. o ministério público (mp) de aveiro diz que manuel godinho solicitou a armando vara e a lopes barreira que exercessem a sua influência junto de membros do governo para que o grupo o2 voltasse a ser contratado pela refer, prometendo «dar-lhes dinheiro e contrapartidas não patrimoniais, bem como donativos para o ps», afirma o procurador carlos filipe ferreira.
a promessa de financiamento partidário para o ps foi feita por manuel godinho, segundo o mp, em 2006 e em 2009 – ano que ocorreram as eleições legislativas que conduziram ao segundo governo de josé sócrates.
no despacho de acusação não fica esclarecido se o financiamento partidário chegou a ocorrer. ao contrário do dinheiro pago por godinho a vara e a lopes barreira, já que o mp entende ter provas de que o ex-vice-presidente do bcp e o empresário receberam, cada um, 25 mil euros em dinheiro vivo no dia 20 de junho de 2009 em ovar, na casa de godinho.
mário lino, ministro das obras públicas entre 2005 e 2009, e ana paula vitorino, secretária de estado dos transportes no mesmo período, foram os titulares de cargos governativos que foram alvo da influência de vara e de lopes barreira.
com uma grande diferença, segundo o mp de aveiro: lino aceitou exercer em 2006 e em 2009 as pressões solicitadas por lopes barreira e por vara, enquanto que vitorino recusou prontamente.
em fevereiro de 2006, diz o procurador carlos ferreira, godinho começou a ter os primeiros problemas com a refer. no entroncamento, técnicos da refer constaram que a o2 estava a sobrefacturar resíduos ferrosos, provocando à gestora da rede ferroviária nacional um prejuízo superior a 10 mil euros. o contrato com a empresa de godinho acabou por ser rescindido na sequência dessas irregularidades.
imediatamente, manuel godinho pediu ajuda a armando vara e lopes barreira e estes falaram com mário lino.
lino apanhado, mas não acusado
o ministro das obras públicas, segundo o mp, aceitou a solicitação do então administrador da caixa geral de depósitos e do fundador da consulgal para falar com ana paula vitorino – que tinha a tutela da refer.
lino, segundo o despacho de acusação, perguntou a vitorino o que se passava no entroncamento, «expressando-lhe que vara e lopes barreiras, indivíduos que qualificou como muito importantes no ps, se achavam muito preocupados com o comportamento inflexível do presidente do conselho de administração da refer, luís pardal, para com a o2», lê-se no despacho de acusação.
mas mário lino, tal como o sol já tinha noticiado em março, foi mais longe. «como forma de reforçar a sua argumentação e persuadir ana paula vitorino a aceitar as suas pretensões, mário lino referiu-se à o2 como ‘uma empresa amiga do ps’ e que vitorino, como membro do secretariado nacional (sn) daquele partido, não podia deixar de levar esse facto em consideração», escreve o procurador carlos ferreira.
ana paula vitorino não só é membro do sn, orgão executivo máximo do ps, como é uma das três pessoas responsáveis pelas contas nacionais do partido.
mas a então secretária de estado dos transportes «repudiou, de pronto, qualquer abordagem sobre o assunto», assegura o mp. logo, o assunto morreu ali.
carril dourado
em novembro de 2006 a administração da refer, liderada por luís pardal, decidiu mesmo excluir o grupo de manuel godinho da lista de fornecedores qualificados pela gestora ferroviária nacional
e em 2008 processou judicialmente a o2 por ter furtado travessas de madeira da linha do tua – no que ficou conhecido como o processo ‘carril dourado’.
o tribunal de macedo de cavaleiros deu razão à refer e condenou a o2 em dezembro de 2008 a pagar uma indemnização de 105 mil euros pelo material retirado sem a autorização da empresa pública.
manuel godinho, segundo o mp de aveiro, voltou à carga e no início de 2009 solicitou novamente a armando vara e a lopes barreira que intercedessem junto do governo para que luís pardal, que tinha um forte apoio de ana paula vitorino, fosse exonerado da administração da refer. o sucateiro de ovar foi ainda mais longe e solicitou que vara e barreira utilizassem a sua influência para vitorino ser igualmente afasta do ministério das obras públicas.
godinho voltou a prometer-lhes 25 mil euros a cada um e a «entrega de donativos ao ps», lê-se no despacho de acusação.
lino fala com pardal
vara, que na altura já era vice-presidente do bcp, e o fundador da consulgal voltaram a falar com mário lino para convencer o ministro a tomar as decisões desejadas por godinho. lopes barreira, por seu lado, decidiu falar também com vitorino.
desta vez, o ministro das obras públicas decidiu ele próprio, na sequência das solicitações de vara e de barreira, falar com luís pardal e ‘saltar por cima’ de ana paula vitorino. lino deu conta ao presidente da refer que lhe tinham dito que a gestora da rede ferroviária nacional estava a prejudicar a empresa de godinho e «instou-o a modificar o comportamento da refer para com a o2» e a «procurar a resolução do contencioso que as opunha», diz o procurador carlos ferreira.
nada aconteceu. em junho, contudo, a relação do porto dá razão à o2 e anula o pagamento de indemnização decidido pelo tribunal de macedo cavaleiros.
godinho vê aí nova oportunidade e insiste com armando vara e com lopes barreira para falarem uma terceira vez com mário lino.
o banqueiro e o consultor informaram lino de que a o2 continuava a ser prejudicada pela refer. o ministro das obras públicas, na sequência dessa insistência, fala pela segunda vez com ana paula vitorino e também com luís pardal. e convence este último a ter uma reunião com godinho.
o presidente da refer aceitou a ‘ordem’ de lino e recebeu godinho. mas o conflito manteve-se, visto que a gestora ferroviária recorreu da decisão da relação do porto para o supremo tribunal de justiça – tribunal superior que veio a dar razão à refer no sentido de ser indemnizada em mais de 100 mil euros por parte da o2.
por todos os factos relacionados com a refer, os relacionados com vara e lopes barreira juntamente com outros referentes a funcionários daquela empresa pública, manuel godinho foi acusado de oito crimes de corrupção activa para acto ilícito, quatro de tráfico de influência e dois de furto qualificado, oito de burla qualificada, quatro de falsificação de notação técnica e três de perturbação de arrematações.
armando vara e lopes barreira, por seu lado, foram acusados, cada um, de dois crimes de tráfico de influência.
mário lino acabou por não ser acusado pelo facto de o mp ter entendido que os indícios não eram suficientes para acusá-lo de tráfico de influência.