Nas Bocas do Mundo – Néstor Kirchner

O elogio justo é um perfume reservado para embalsamar os mortos, escreveu Voltaire. Sim, mas as loas fúnebres também são momentos de excesso unanimista, ao salientar-se as qualidades do extinto e ao obliterar os seus pecadilhos.

contraponto ao enunciado pelo vulto francês por mario vargas llosa, o peruano distinguido há três semanas com o nobel da literatura: «o ex-presidente da argentina e a sua sucessora, a actual mandatária, eram possuidores em 2003 de um património (…) avaliado em 1,2 milhões de euros. no ano de 2007, quando a senhora kirchner ocupou a casa rosada, este capital havia quase triplicado (…). mas foi em dezembro de 2008 que deu um salto espectacular e só em 12 meses alcançou a cifra (vertiginosa para qualquer bípede comum e normal) de 8,5 milhões de euros».

segundo o mesmo texto de vargas llosa, publicado no ano passado no el país, néstor e cristina, «capitalistas de verdade, audazes, engenhosos e criativos», acumularam dinheiro com expedientes como a compra de terrenos a preços da chuva para depois os revender em alta, ou com uma empresa de assessoria em sociedade com o filho.

ao que se soma a perseguição que o casal kirchner tem movido desde 2008 aos mais importantes jornais, clarín e la nación (lei de imprensa a entrar em vigor obriga ao desmantelamento dos grupos de media, governo nacionaliza única fábrica de papel para jornais, e agora acusa o grupo editorial do clarín de se ter apropriado indevidamente do diário nos anos 70…). néstor reencarnou o peronismo e pegou com firmeza no país quando este agonizava (2003). mas o seu currículo está longe de ser imaculado.

cesar.avo@sol.pt