O voo da Cisne, uma ‘grande marca nacional’

A ditadura de Salazar deu o berro mas não se ouviu o último canto da Cisne. Do nacionalismo económico que lhe deu fama, apenas resta o título de «a grande marca nacional» num quadro dos anos 50 que ilustra os seus antigos produtos.

para o administrador, carlos torrejano, 49 anos, a pintura é apenas um registo caricato de uma das fases da empresa, que nasceu muito antes do ditador, sobreviveu à queda da sua política proteccionista e hoje nada lhe deve.

é com orgulho que nos mostra uma medalha de ouro oferecida pela associação industrial portuguesa, a provar que a marca de produtos escolares e de escritório é uma das suas mais antigas sócias. embora apenas registada em 1929, já lá vão 114 anos desde que o enigmático cisne – ninguém sabe o seu significado – começou a rotular embalagens de tintas para aparos, caídas em desuso com o aparecimento das canetas esferográficas. o fabrico era feito pela mão da família mendes pereira num antigo palacete do campo grande, em lisboa.

actualmente pertença da marouço, a cisne divide a fábrica, em alcanena, santarém, com outras marcas desta empresa familiar. a concorrência internacional no mercado dos produtos escolares é demolidora, mas pedro vaz, director de marketing da cisne, acredita que têm espaço no «circuito tradicional das papelarias, que continuam e vão continuar a existir», tendo em atenção que estas se estão a transformar em press centers.

«a cola gourmet», como a apelidou o humorista nuno markl no programa de rádio caderneta de cromos, da rádio comercial, onde recorda alguns dos episódios que lhe marcaram a infância, já não é «docinha» como antes, nem vem numa bisnaga verde.

quase todos os produtos da cisne levaram ajustes nas receitas e no visual desde 1992, incluindo a própria ave do logótipo. mas entre a cola, a tinta-da-china, os guaches, as almofadas para carimbos, os gizes e os apagadores, o lacre é o que se mantém mais próximo do original, desde a emba-lagem ao método de fabrico.

é num pequeno compartimento da fábrica de 600 m2, que este é feito de forma artesanal. a «dona cremilde» mostrou-nos como se faz, derretendo alguns pedaços da pasta feita de resinas, cargas, cera e corantes num tachinho e espalhando-a depois nos moldes. a seguir bastou passar-lhe o maçarico para polir as barras e colocar-lhe o carimbo da marca.

antigamente usado para selar cartas e documentos oficiais – ainda hoje é usado para carimbar os votos das urnas de eleições antes de rumarem ao governo civil –, o clássico ‘vermelhão puro’ já não é o que era.

actualmente, o lacre quer-se de todas as cores, para enfeitar garrafas de vinho, potes de compota, convites de casamento ou diplomas universitários. «virou moda», constata o empresário, que acredita que a cisne é a única marca no país, e das poucas no mundo, a carregar o peso centenário desta tradição.

marouço, s.a.

rua d. nuno alvares pereira, 69 – alcanena
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