O verdadeiro artista

Há receitas que são infalíveis, apesar de tão óbvias. em abono do artista, diga-se que conhece a receita de trás para a frente.

É preciso pegar em quase 13 mil espectadores e tê-los na palma da mão? Falem com Michael Bublé que ele explica como é fácil. Tudo começa na assistência, que vai dos 12 aos 72, sendo que o entusiasmo dos mais novos é acompanhado pelos mais velhos. O histerismo invade o pavilhão e qualquer palavra mais ‘sentida’ do artista é suficiente para o recinto ir quase abaixo.

Dança e mexe-se muito bem e é o protótipo do rapaz que todas as sogras gostariam de ter como genro. Com um ar limpinho e sedutor, Bublé ia dizendo o que todos queriam ouvir: «É o melhor público que encontrei na digressão. Como é possível só ter conhecido Portugal agora?», lança, para delírio da assistência. Por momentos, pensei estar a viver uma sessão da Igreja Universal do Reino de Deus, já que o público ora levantava os braços, como que a orar a Deus, ora se lançava na direcção do cantor. Mesmo as senhoras mais entradotas não tinham qualquer receio de subir para cima dos bancos para acompanharem as deambulações do artista. As mais novas tentavam junto ao palco, tocar no seu Deus, e ficavam quase em êxtase quando o conseguiam.

O espectáculo é ensaiado até ao mais ínfimo pormenor, embora as pessoas queiram acreditar que é tudo de improviso. A célebre cena em que se diz sentir como um Papa é bem reveladora, já que a repetiu nos dois dias. A história tem tanto de autenticidade como um vendedor de um mercado marroquino quando começa por pedir um preço exorbitante.

Mas o espectáculo foi bem divertido, as músicas eram todas aquelas que o público desejava ouvir e as quase duas horas de show foram muito bem conseguidas. Penso que ninguém deu por mal empregue o seu tempo e dinheiro. Coisa que nos tempos que correm não é muito frequente. Assim fossem as noites lusitanas onde, na maioria da vezes, as pessoas vão ao engano, já que se sente cada vez mais a encenação e menos a autenticidade. Tudo muito bem programado, mas com pouca loucura natural.

vitor.rainho@sol.pt