a circulação de 1,5 milhões de euros pelas contas de armando vara, de uma gestora bancária e de um empresário da noite lisboeta levou o ministério público (mp) de aveiro a abrir um novo inquérito contra o ex-ministro socialista por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais. em causa está a compra e venda de três imóveis, com contornos rocambolescos.
a história começa em maio de 2008, num jantar de amigos em casa de maria da conceição leal, segundo explicou esta administradora da holding do banif ao mp de aveiro. conceição leal informou nessa noite os seus convidados, entre os quais estava armando vara, que pretendia vender a sua moradia situada em caxias, no concelho oeiras. o então vice-presidente do bcp, que mora em cascais noutra vivenda, decidiu de imediato comprar a casa e passou logo ali um cheque de 50 mil euros, como sinal e para que o imóvel não fosse colocado no mercado até ao final do verão.
vara conhecia leal desde 2000, altura em que, enquanto ministro-adjunto do primeiro-ministro antónio guterres, nomeou-a para a administração da rtp. a amizade construída desde então, segundo o depoimento de conceição leal, permitiu o pagamento de 50 mil euros por parte de vara com base num ‘negócio de boca’.
negócio avança, mas o sinal é devolvido
quatro meses depois, a 29 de setembro, os dois amigos assinaram um contrato-promessa e o negócio começou a complicar-se. o mp de aveiro começou a achar este negócio estranho quando constatou que a gestora do banif, em vez de descontar o sinal de 50 mil euros no preço a pagar aquando da assinatura do contrato-promessa, decidiu devolvê-lo a armando vara. este entregou-lhe então dois cheques, no valor total de 400 mil euros.
o acordo entre ambos estipulava que o valor da venda seria de 900 mil euros, a pagar da seguinte forma: 400 mil euros entregues nesse dia e 500 mil euros no dia da assinatura da escritura (marcada para março de 2009).
contudo, o contrato estipulava também que estes 500 mil euros poderiam ser substituídos por uma permuta entre a casa de caxias de conceição leal e o imóvel de vara em cascais. mas conceição leal disse que informou o ex-vice-presidente do bcp, poucos dias depois da assinatura do contrato-promessa, que afinal não queria a sua casa, ficando de lado a permuta prometida.
em março de 2009, vara informou conceição leal de que estava com dificuldades para pagar a segunda tranche, de 500 mil euros, pedindo-lhe um adiamento da escritura. assim, os dois amigos assinaram um aditamento ao contrato-promessa, onde ficou estipulada uma nova data para a escritura: março de 2011. vara entregou na mesma altura um novo cheque de 50 mil euros como reforço do sinal (sinal esse, recorde-se, que conceição leal disse ao mp ter devolvido seis meses antes).
maria da conceição leal, entretanto, já tinha começado a procurar uma nova casa, logo a partir de setembro de 2008. decidiu-se por uma vivenda na terrugem, em sintra, que lhe custou 522 mil euros, pagos através de três cheques passados à staywell – uma sociedade detida por uma empresa com sede no paraíso fiscal do panamá que era a proprietária da casa da terrugem. a escritura de venda foi assinada a 17 de março e conceição leal pagou os respectivos impostos. no entanto, diz o mp, continua a viver na moradia em caxias.
casa de vara vendida na véspera das buscas
o mesmo acontece com armando vara, facto que o mp de aveiro também estranha, pois a casa de vara acabou por ser vendida ao empresário ezequiel santos, por 425 mil euros. as autoridades que investigaram o processo face oculta estranham que os cheques de ezequiel e dos seus filhos tenham sido depositados no dia 27 de outubro de 2009 – um dia antes da operação nacional de buscas realizadas neste caso pela polícia judiciária.
ezequiel, empresário da noite lisboeta, dono da discoteca queens e amigo de vara, afirmou ao expresso que o ex-vice-presidente do bcp lhe tinha prometido vender a moradia de cascais desde o início de 2009. mas o mp de aveiro diz «desconhecer a razão subjacente à emissão» dos cheques de ezequiel e dos seus familiares, lê-se na certidão que foi extraída para se instaurar um inquérito autónomo.
maria conceição leal deu ao mp uma versão diferente: disse que ezequiel foi-lhe apresentado por vara, mas para comprar-lhe a casa do socialista em cascais. isto porque, ao contrário do que afirmara antes, a permuta parcial entre a sua casa de caxias e a de vara acabou por ir avante. por isso, para provar que era um potencial comprador, é que ezequiel lhe passou um cheque de 25 mil euros, diz a gestora do banif.